Nadador
Nadar
Sol de finais de Setembro
A onda a bater no ventre
Mar frio da boca aberta da ria
Nos óculos o cuspo
Não embaciem
Vem pelo silêncio
Um-dous três-quatro cinco-seis
Entupindo a água o ouvido
Nariz doendo pelo frio
Onze-doce treze-catorze
Areia do fundo respiração
Branca compassando ainda
Trinta e sete –trinta e oito trinta e nove –quarenta
Ainda algo vivo
Veio pensando talvez
A encontre os sulcos
Dunas no fundo me guiem
Como será um sentir
Que nem se atreve para não sujá-lo a pronunciar
De sempre tão vasto nome
Cento vinte e três–cento vinte e quatro–cento vinte e
Sol nas costas
À direita as bóias amarelas
Duplo regueiro
Rasto de borbulhas
O ar do nariz expelido
Esquerda-direita esquerda-direita
Baixo a água a cabeça
Mais difuso cada vez o fundo
O desejo desaparecendo
Da visão do profundo
Dos seus olhos nos teus olhos
Trezentos –trezentos um trezentos dous –trezentos três
Nadando
Nada
Distanciando-se achegar-se
Vens por vê-la
Setecentos trinta e quatro –setecentos trinta e cinco
As cordas
A bóia vermelha mergulhas mais para o fundo perdido
Para em baixo de novo saindo
Novecentos–novecentos um novecentos dous-novecent
Última braçada antes das rochas
Meia volta
Esquerda-direita
Esquerda –direita a praia
Ainda gente
No começo do outono
Mil dezanove –mil vinte mil vinte um –mil vinte e dous
Batem as ondas na face
Cansaço
Lavras o mar que molda
O corpo que serpeia
A mão retalhando a água
Os pés doloridos
Não de sereia
Semeando borbulhas
Como pétalas espargidas
No rasto que ninguém segue
Mil quinhentos trinta e três–mil quinhentos trinta e qua
Vim por vê-la
Ao fundo não me espera
Corrente fria corrente cálida
Como lembrança a pele
Pelo mar como saudade
Deslizando-se pela memória
Qual golfinho
Emaranhado
Dous mil –dous mil um dous mil dous –dous mil três
Quanto mais longe
Mais te vejo
Mais o corpo não pode
Pernas de pedra
Braços esquecidos
Quanto mais silêncio
Mais te ouço
Teu canto marinho
Tua sonda das profundidades
Dous mil quinhentos setenta e oito –dous mil quinhent
E se agora se contrai
Deixas à corrente
Fazer e desfazer o tecido
E não me vou contigo?
Afinal, do monte o muro
Bóia última
Sombra amarelecida
Braçada antepenúltima
Braçada penúltima
Última abraçada
(Para a Luz dos meus olhos)