Prisioneiro e flautista
Silvânia Mendonça Almeida Margarida
28 de março de 2005
Lavam-me os pés
Procuram-me nas quatro paredes
Pensam no amor que sonhei,
Imagino que são fantasmas a
me perturbar, pois estou só
na prisão vazia...
Vi que nada é de ninguém.
Já não vejo imagens
Só escuto um clarim
do corneto que me enche de clamor
Quando estou doente
para evitar feridas sangrentas
para esquivar-se da faca e baioneta
para esquivar-se da bala perdida
que poderiam me causar dor
Só escuto o clarim do corneteiro
que me chama à meditação e ao amor.
As paredes são pesadas e curtas
São pequenas miúdas...escuras
As celas bem trancadas
Pelos crimes de todos que pratiquei
Claro que não sou capaz de ser feliz
Prisioneiro é que mais sou...
pois caçava homens.
Mas para me poupar o meu peito,
escuto cada dia mais o clarim...
Clarim, música, poema, vida...
são relíquias perdidas
para todos os arrependidos
dos crimes instigados,
conduzidos, desnorteados,
agora estou,
julgado e condenado
em cadeia perpétua
lançado na infindável
catarata de uma prisão,
cela rança da condenação.
Postura e porte parecem estranhos
atos bizarros e anti-sociais.
Hoje! É um dia diferente...
Falta muito para o dia terminar
Pergunto aflito... à sentinela
Como um último pedido...
A morte me espera em aflição
Apresenta...Mostra-me
Deixa-me conhecer
Como último desejo desta vida
Miserável que deixarei neste dia
O flautista que me acompanha...
Onde se caça borboletas e andorinhas...
“Jura-me... diga-me...
Quem toca tão célere música?
Quem toca tão doce clarim?
Quem toca tão linda corneta?
É tão clara a mensagem desta
Na derradeira manhã de minha vida
vai chegar além de onde canta passarinhos
e me redimir deste chão?”
“Prisioneiro...pobre coitado
Disse-me sentinela da força da lei
Aguarda-me...
Que como pedido seu
Alguém lhe apresentarei...”
E o pobre homem
Que me atende o serviço
Que se veste de oliva por força da lei
Traz flautista para eu conhecer
E olho estranhamente ser frágil e pequeno
Criança a balançar constante a flauta
Pequena, dourada
A postura e o porte parecem estranhos
atos bizarros, mas angelicais
Pergunto-lhe o nome e não me responde...
O nome outra vez, e o nome outra vez,.
Fica espantada e me rejeita
Nada...Menina não fala
Apenas toca a flauta clarim
Pergunto-me, nas últimas horas de vida.
Que esta história se pode ouvir...
se se acostuma a não ouvir passarinhos,
Menina ou eu.? ela é livre e eu prisioneiro????
A gente se acostuma
a não colher frutas do pé,
a não ter sequer uma planta.
Ter a sensação e ilusão
do que a música me diz
Transforma-me em poemas
Que vão se transformar
na flor branca macia...
em meio aos meus milhos graúdos...
“Mas menina,
desabafo, imploro
toca novamente o clarim,
toca mais uma vez sua flauta melodia,
Para que o meu cavalo branco volte,
pois fugiu sem deixar rastro nenhum,
Ainda nestas últimas horas
é permitido sonhar...
E ela toca, música leve e ritmada
As notas em claves do sol
Que me neguei na vida ver
Será que os absurdos
são as maiores virtudes da poesia?
Será que os despropósitos
são mais
carregados de poemas
do que o bom senso?
Que incomodam a ciência
E imolam o senso científico...
O essencial é aquilo que,
se nos fosse roubado, morreríamos?
São tantas as indagações para tão gente detenta...
Menina...
Vejo em seu rosto o sinal
que se repete e repete,
no meu bouquet fantasia...
as suas mãos que balançam
a buscar o infinito...
Adorada criança
Que foi minha maestra
durante estes anos de solidão,
de abrigada reclusão...
obrigado por seu silêncio e por se olvidar...
Vou-me, não precisa me dar a mão...
Agradeço a Deus
Por conhecer o lugar que está e
Para onde vou...
Já amanheci quinze vezes
dentro da noite crescendo
Da qual, por sorte, me salvo;
Não peço o orvalho do vento,
Nem o cheiro de açucena que amanhece,
Mas no seu reino, alvorada tem hora certa
Com o toque da sua flauta e do seu clarim....
Ainda é longe a claridão onde
a aurora inteira se enquadra,
no mundo encantado...
Adeus! Vá cantando e não se perturbe
Pelas emoções que estão por vir...
A sentinela é móvel, vai e vem,
Já veio me buscar....
Adeus! Vá cantando flautista
que é amor, é brasa, e, de repente, é rosa.
Mas no seu mundo... esta criança...
Só ela sabe para ela mesma...
Que é livre e luminosa e muita alegria,
Que as notas da sua flauta corneta,
sabe os acordes do coração.