AUTO-COSTURA
AUTO-COSTURA
Toda vez que disseres que minha alma é bruta
eu te mostrarei um coração efeminado.
Toda vez que disseres que minha alma é rude
eu te mostrarei um coração afetuoso.
Toda vez que disseres que minha alma é insensível
eu te mostrarei um coração inconsolável
te amando e padecendo com teu desmazelo.
Assim condenas minh’alma;
e toda vez que condenas minh’alma
enfio-me no meio do mato
com os olhos rentes ao chão
e a boca embriagada
pelo sabor doce da hortelã,
no meio do mato
replanto marias-sem-vergonha
com as mãos nuas
e os pés virgens
e aprendo com o bem-te-vi
o canto que espanta saudades,
enternece corações
e sossega almas.
Não há tolice maior,
quando se ama,
do que ter ouvidos e não compor,
ter olhos e não se encantar,
ter boca e não se calar,
ter mãos e não replantar.
Mas esse dia diáfano,
esse sol restaurador,
esse céu imáculo,
esse teu ar selvagem,
esse teu andar indolente,
esse teu desmazelo leviano
dão-me uma vontade imensa
de costurar a alma
e rasgar o coração.