CRENÇA
Cabe-me a loucura lúcida de acreditar
na improvável leveza ambígua:
o pisar das patas de um elefante
enquanto passo afável, lento.
Pressentir o derradeiro perfume
de rosas vermelhas e brancas
enquanto destroçadas pelo vento
- dar-me a mim a certeza da dúvida.
Resta-me a guarda dos relâmpagos
dentro de uma noite inválida
- natureza à solta, embrutecida
enquanto prefiro-me platônico.
Sem aviso, tratar a ferro e fogo
golpes implacáveis do destino
- arrancar-lhes o coração pela boca
enquanto recomponho minhas forças.
Basta-me decifrar o enigma de cristais
em espelhos quebrados
- reacender sonhos de infância
enquanto disfarço a realidade.
Diante do breu das horas cínicas,
inventar luminosidades:
correr às cegas
entre o medo e a circunstância.
Ante risos e espantos outros
esconder a fugidia lágrima,
enquanto a vida vai fluindo aos poucos
sua imutável verdade vária.