O HOMEM BOMBA
SEM PALAVRAS
Para Emília Maria de Oliveira Cerqueira,
que sabe multiplicar sonhos, números e palavras.
Dentro de instantes,
dentro de um ônibus,
dentro de um supermercado,
em plena rua,
o homem-bomba detonará sua vida
e muitas vidas.
O homem-bomba
é a ausência de palavras,
é o antônimo
do super-homem
solidificado na razão.
O homem-bomba
tem uma corda
que liga o homem,
que deveria ser palavra
ao homem sem palavras
e sem expressão.
O homem-bomba
perdeu a razão,
perdeu a vida,
ganhou o paraíso,
ganhou a nação,
ceifou várias vidas,
abriu várias feridas.
O homem-bomba
é a ausência de palavras:
solidificado na ignorância
e na estupidez,
ele é uma palavra: composição por justa-posição:
homem e bomba,
explodindo células
- as suas e as dos outros -,
espalhando sangue
e várias palavras,
vários nomes:
homens, mulheres, crianças,
profissões.
O homem-bomba
são duas palavras:
é um homem e um bomba:
uma arma, um artefato,
dois substantivos concretos,
pulverizando a vida,
tornando a vida abstrata,
desafiando a semântica,
desbravadora de palavras.
O homem-bomba
não celebra a vida.
O homem-bomba
quer morrer
pela vida de sua religião,
pela religião de sua vida.
Fragmentado
em mil pedaços
- Cabeça, tronco e membros -,
o homem-bomba
depois de matar
e matar-se,
causa, também,
o horror da dilaceração:
um espetáculo mais que dantesco.
mais que Guernica,
a vitória da destruição,
deixando Picasso
- Se vivo estivesse - consternado
a mirar este quadro coletivo
da inumana mutilação.
É outra maneira de mostrar-se.
É outra maneira de dizer
que já foi vida.
É outra maneira de dizer
que é fétida ferida
aberta, exposta
para o mundo.
É outra maneira de dizer:
- queria ser palavra
e me deixaram mudo.
Autor: Nelson Marzullo Tangerini
Poesia já publicada em jornais de Portugal.