Suicídio sem primaveras
Nascido do estupro, aborto e vergonha
tão sem nexo quanto a minha concepção
foi a ocilante presença do sol
se apenas dignidade brotasse do chão
Tanto tinha p'rá viver!...
Sou o feto melancólico,o pardal agonizante
vendido ao inconstante, rezei para ter
do suicídio outros confortos
Minuto a minuto,
o medo cresce dentro dos olhos opacos
sem cores no túnel da vista
escuro e vazio escondido num buraco
Sou o esqueleto errante sem abrigo
sei do casal estéreo esperando
na única espera solitária
cante agora a canção do inimigo
Compositor de noites, abandono aos lagos
sob nuvens sintéticas,o olhar tão vago
era o triste lírio, era o caule em riste
quando apenas das trevas Tu me vistes
Sem lembranças ou diário escrito
ninguém visita meu túmulo
e o testamento n'um coral, n'um grito:
-Tanto tinha p'rá viver!
Meu fantasma lamenta no nevoeiro...
Minha imagem sucumbe no despenhadeiro...
Eu desejo dar a vida à Ti
sem paraíso perdido, sem vergonha de si
atravessar em cortejo a avenida
Eu sou uma criança por um pai vendida
Sereno com o coração imundo...
A saliva matou a sede por um segundo...