Suicídio sem primaveras

Nascido do estupro, aborto e vergonha

tão sem nexo quanto a minha concepção

foi a ocilante presença do sol

se apenas dignidade brotasse do chão

Tanto tinha p'rá viver!...

Sou o feto melancólico,o pardal agonizante

vendido ao inconstante, rezei para ter

do suicídio outros confortos

Minuto a minuto,

o medo cresce dentro dos olhos opacos

sem cores no túnel da vista

escuro e vazio escondido num buraco

Sou o esqueleto errante sem abrigo

sei do casal estéreo esperando

na única espera solitária

cante agora a canção do inimigo

Compositor de noites, abandono aos lagos

sob nuvens sintéticas,o olhar tão vago

era o triste lírio, era o caule em riste

quando apenas das trevas Tu me vistes

Sem lembranças ou diário escrito

ninguém visita meu túmulo

e o testamento n'um coral, n'um grito:

-Tanto tinha p'rá viver!

Meu fantasma lamenta no nevoeiro...

Minha imagem sucumbe no despenhadeiro...

Eu desejo dar a vida à Ti

sem paraíso perdido, sem vergonha de si

atravessar em cortejo a avenida

Eu sou uma criança por um pai vendida

Sereno com o coração imundo...

A saliva matou a sede por um segundo...

Shades
Enviado por Shades em 21/02/2008
Código do texto: T869125