Impropriedade

Caminhei por entre quedas d'água,

Enervadas com esgotos do passado,

repetindo o escárnio de mãos que a tocaram,

sem nunca, de fato, ansiarem terem com ela

Qualquer aspecto real de coexistência.

São águas fétidas que levam devagar

o veneno de lembranças dolorosas.

Cobertas com lodo viscoso de paixões imbecis

e que insistentemente respiram e inspiram

As quais, natimortas, vivem assintomáticas.

Uma enfermidade potencialmente possível,

Em razão da insistência no que é desprezível.

Ela, aparentemente cândida, figura espectral,

carregava no colo, e apertando forte, o peso podre

de amores vis, densos, impróprios.

Tal como porcos faminto se arrastando

Contra uma enxorrada de feses humanas.

E a lua, branca no céu, assistia impassível,

brilhando sobre o antro-horror.

Sobre um frio cemitério de futuros descartados

Ele amou demasiado! Confessando muitas vezes!

E, conquanto, muito a amava no corpo-objeto via

A permissão de mãos outras,

as quais tatuavam com tinta pútrida

que sorrateiramente consumiam e consomem.

Seu sorriso, que é belo, se transformava

em carcaça desossada pelos olhos vulgares

De quem, no viés dela, ignorante,

Encontraria pureza e docilidade.

Nos seus seios da mocidade, os vermes das ilusões,

Se alimentaram dos sonhos decompostos.

Criaturas, cujos escrementos saciavam sua sede.

Vejam, que ela teve diante de si a cachoeira doce, doada por Oxum,

Na qual véus dourados brilhavam nas águas puras,

Todavia, persistia o resíduo amargo da doença,

O jazigo perpétuo que ela edificou sua morada.

E ele, imerso nesse estrume de reminiscências,

sentia o dissabor corroê-lo dia a dia,

porquanto a cada palavra que lhe entregava,

cada gesto de amor que a estendia,

submergia no espesso brejo de sua memória,

como um grande animal sucumbindo afogado.

A lua cheia, silente, a traição que fitou sem sangue,

Rasgaram as nuvens, chorando em cinza o asco profundo.

Diante do presente celeste: rio vasto, sol gigante;

ela, por escolha, se alinhava ao imundo.

Ele, exaurido, lutando para estancar o pus

Escorrendo dos olhos cegos de sua pseudoessência,

apertava a mão de pele fina, relutante e imprudente.

Puxava-a das águas negras da decadência,

implorando que contemplasse o amor indiscutível.

O real, que erguido e fortificado com nobreza,

Contrastando com amores vãos, destrutíveis,

Que drenavam dela o presente.

Ela, atônita. Com olhar perdido e cansado.

Continuava, caminhava, seguindo o caminho contrário,

Acompanhando um relógio mofado que circulava

Num fluxo sem sentido e anti-horário.

Renato W Lima
Enviado por Renato W Lima em 08/10/2024
Código do texto: T8169246
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