Quando a noite chega
Maria Antônia Canavezi Scarpa
Hoje estou indo dormir sozinha
quase insignificante, miúda
talvez envergonhada de tanto engolir soluços
flutuando em delícias mornas
totalmente perdida feito uma loba nas estepes
O meu destino tem pressa
a todo momento espia os meus pecados
todos os meus pensamentos desvairados
tirando minha máscara
querendo me ensinar a aprender como renunciar
Não gosto de me ver diminuta
e na minha angústia frívola
perceber que não tenho timidez
nem nunca serei taciturna
apenas... uma falsa erudita
um pouco burguesa
E geralmente são as noites
que oferecem os pecados caindo pelo ar
dentro da minha ironia inquieta
que acabo sempre
suspirando lembranças
Penso em chorar, mas mantenho a lucidez
já que meus sentimentos, minhas paixões
parecem atos teatrais
estou sempre disposta a encenar
mesmo que no palco não haja uma fresta
por onde eu possa escapar
Não me isolo...não sou uma ilha
há uma grande distância entre eu
e o espaço vazio
algo inatingível, por isso o afã
de complementar o meu eu
A perfeição não existe
e as idas e vindas sempre me desesperam
sei que sem um ideal para burilar as incertezas
posso aceitar o que sei
recuperando nos amanhãs o sono perdido
O amor é danoso,cheio de tímidas esperanças
me embriago até estando sóbria
soa sempre ruidosamente perfeito
mas tem sempre um sabor amargo
uma vez que todos os dias jamais serão iguais
E se hoje estou indo dormir sozinha
vou tentar brincar como minha face
dá-la ao vento num passeio solitário
beijar o tempo cálido
até que o sono
apague todos esses pensamentos