Canto
"Passarinho" ela me disse, desaparecendo.
Não importou minha extraordinária visão,
notando cor e luz que humanos não notam.
Haviam paredes, a acobertaram de mim.
Colidi com as grades de minha gaiola,
meu agudo levantou atenções aleatórias.
Asas não serviram, espaço tão apertado.
Cansei o infinito, foram só segundos.
Parei-me em choque, ainda podia ouvi-la.
Descendo as escadas imitando meu canto.
O vento sibilante balançava suavemente
a estrutura tragicômica que me impedia.
Odiei a comida e a água a mim servida,
tão cuidadosa e também tão indiferente.
Então cantei melancólico minha despedida
e ela calou-se em minha atenção.
Sozinho fiquei, estirado em meu cair.
Quem me herdou sacudiu minha casa,
procurando vida em meu espaço vazio.
E em seu próprio alívio, notou meu respirar.
Ela não voa, ainda assim minnas asas
não alcançam seus rios, campos e vales.
Mas por onde passa, arrasta meu coração.
Seus passos acompanham o palpitar.
Sem dez estrofes não poderia poetar
angústia que foi tardio retorno.
Haviam horas lá de costas, sentada.
E não me via nem me ouvia, sentia?
De tudo cantava, as minhas asas batia.
Crueldade? Covardia? Distração? Refletia.
Precisava sair daquela jaula, deveria?
Nada iria me impedir, escolhi conseguir.
Me espremi com toda a minha força.
Sobrenatural e mortal, atravessei
explodindo e chovendo sangue e penas.
Um dramático porém lindo carnaval.
Ao milagre seus olhos em minha direção.
Mínimo testemunho do seu luto cortez.
E então tombei da garagem ao chão,
voando baixo e livre, uma última vez.