Ingratidão

És ingrata, sim, és

És falsa, sim és,

És cínica, sim és

fechas os olhos a tudo que eu fui para ti,

finges que não mantive promessas a pagar,

de coisas que jamais foram minha obrigação,

por um par de meses arrancaste-me o emocional,

cravaste-me sua dependência e meu compromisso,

por um par de meses nos quais fostes de vulcão à geleira,

mas mantivestes minha proteção financeira,

que obviamente, torna-se claro, era o que querias,

cifrões e não amor, cifrões e não presença,

desde que os cifrões cheguem para ti,

minha distância e meu silêncio são comemorados,

com isso posas de vítima, de sofredora, de ofendida,

publicamente "novamente abandonada", entristecida,

todavia, acena com um recomeço, claro, espera que a vejam,

balança seu lenço na varanda como um marketing pessoal,

donzela fragilizada esperando o varão enviado por Deus,

aquele que irá ser o príncipe de seus sonhos,

esqueces que eu te cuidei, te alimentei e aos teus,

ignoras que eu te protegi, te enviei curativos para as dores,

finges não saber que segurei tuas mãos noites à dentro,

sim, fui eu, não o varão prometido que nunca chegou,

sim, fui eu que empenhei cifrões do meu trabalho,

sim, fui eu que te dei segurança emocional nesse período,

mas nada disso teve valor para ti, nada disso foi especial,

virou rotina, quase uma obrigação, disponibilidade confiável,

não quisestes mais sequer me retribuir com algum afeto,

pensou estar em um terreno ganho, comigo submisso,

mas levantei-me de teus pés e pedi que me dissesse a verdade,

calou-se, inventou estranhas histórias fanáticas religiosas,

mas ao final confirmou o que era óbvio: não me amavas,

não pretendias me amar, não achavas importante me amar,

afinal, tinhas tudo o que querias sem fazê-lo, era fácil demais.

Me retirei ao não ser querido, ao não ser reconhecido,

ao não significar nada para ti senão um mero provedor,

uma poupança sem fundo a quem se recorre sempre,

um caixa eletrônico em quaisquer horas ou dias,

sacastes sempre o que precisava, o que desejava,

nunca me neguei, nunca fui mesquinho,

seus varões anteriores lhe exploraram,

não lhe deram nada, nem o sobrenome,

mas a mim, que dei-te proventos,

a mim que mesmo depois de partir,

ainda me comprometo com teus gastos,

com tuas necessidades e dos seus,

a mim acusas de ser como os outros,

a mim brande falas públicas de vilania,

sou o vilão que paga contas necessárias,

mas não há gratidão em ti,

não há sensibilidade em seu coração,

se houvesse faria voto de silêncio,

receberia de bom grado meus proventos,

e teria ao menos a dignidade de valorizá-los,

mas há imaturidade, egoísmo e desfaçatez em ti,

um lado interior tão feio que corrói sua aparência externa,

tornando-se cada vez mais o retrato de Dorian Gray,

derretida, desforme, estranha, monstruosa, indizível,

te tornaste rapidamente no avesso de quem me apaixonei,

já eu continuo do mesmo jeito, com o coração partido,

enviando-te cifrões, os meus cifrões para manter quem não é leal,

quem não é merecedora do meu empenho, da minha dedicação,

sou tolo? Sim, um idiota pisado na autoestima,

um imbecil espoliado por uma esperta que faz do palco sua encenação.