Roupa velha
Há muito, quando eu passava,
Te observava dependurada
Cores turvas e frias
Cheia do ácaro que habita o pó.
Havia em ti alguma beleza
E o meu número cintilava
Numa etiqueta rota.
Silente, evasiva, sonsa..
Algo em ti me diza
Sobre um dono, um abandono.
Levei-te para visitares alfaiates
Da alta costura, brilhaste!
Retinta, quente, esvoaçante,
Livre, vestia-me como um rei.
Visitavas óperas, aniversários
Reveillon e bodas;
Eras admiradas pelos nobres
Pelos pobres amigos e rivais.
Até que do varal, às escondidas,
Observavas outros corpos
De inimigos íntimos das minhas festas.
Tua alma era pequena, morena;
Que pena... tudo valeria a pena?
Sabias que suntuosos brechós
Te queriam a tempos,
Pequenos burgueses te tentavam
Em seus corpos nus sob o ouro.
Mágicos chás, malditas poções,
Incensos, ópios e pensamentos
Tesouros de inquietas cobiças;
E foste, fera ferida fiquei
Sabendo que cobrias outros corpos
Sob falsas etiqueta de mentiras,
Esqueci-te de propósito
Em um balcão barato
De sagrado e profano prostíbulo
De onde passaste a vestir
Prostitutas em seus prazeres
Mais insanos. Descorastes...
E hoje, exposta como degolada,
Amargas um velho cabide
Do incerto e vigativo
Cabedal do tempo.
Carlinhos Matogrosso