I

 

E é triste ver assim ir desfolhando,

Vê-las levadas na amplidão do ar,

As ilusões que andámos levantando

Sobre o peito das mães, o eterno altar.

 

Nem sabe a gente já como, nem quando,

Há-de a nossa alma um dia descansar!

Que as almas vão perdidas, vão boiando

Nesta corrente eléctrica do mar!...

 

Ó ciência, minha amante, ó sonho belo!

És fria como a folha dum cutelo...

Nunca o teu lábio conheceu piedade!

 

Mas caia embora o velho paraíso,

Caia a fé, caia Deus! sendo preciso,

Em nome do Direito e da Verdade.

 

II

 

Morreu-me a luz da crença — alva cecém,

Pálida virgem de luzentas tranças

Dorme agora na campa das crianças,

Onde eu quisera repousar também.

 

A graça, as ilusões, o amor, a unção,

Doiradas catedrais do meu passado,

Tudo caiu desfeito, escalavrado

Nos tremendos combates da razão.   

 

Perdida a fé, esse imortal abrigo,

Fiquei sozinho como herói antigo

Batalhando sem elmo e sem escudo.

 

A implacável, a rígida ciência

Deixou-me unicamente a Providência,

Mas, deixando-me Deus, deixou-me tudo.

 

Guerra Junqueiro, in 'A Musa em Férias'