Descamar
Lembro nitidamente da época
Que minhas palavras tinham
O mesmo gosto das suas
Como se elas fossem mais suas
Do que minhas próprias palavras
Lembro nitidamente de ver
Tudo ao meu alcance, porém
As coisas não tinham as cores
Que obtinham ao passar
Pelos filtros das minha
Noção e percepção
Exclusivas minhas
Pelo contrário, elas tinham
Cores parecidas com aquelas
Pintadas com os filtros
Da sua noção de mundo
Tenho claras lembranças
Das sensações e experiências
Bombardeando minha pele
No entanto, não consegui sentí-las
Era como se tocassem uma pele
Logo acima da minha
Em íntimo contato com ela
Impedindo minha comunicação
Com o meio externo
Me olhei no espelho e vi
A escama que intermediava
Meu contato com o mundo ao redor
Falava o que ela falava
Via o que ela via
Sentia o que ela sentia
Vivia de acordo com o que ela
Captava e interpretava da vida
Em dado momento, minha vontade de viver
Foi proporcional à minha crescente coragem
Fiz um movimento em desacordo
Com a escama, e a furei
Fui seduzido pelo calor e pela umidade
Do lado de fora, rompi ainda mais a escama
Sobre mim mesmo
Tornei-me uma nova pessoa
Independente de qualquer
Retenção e manipulação
De estímulos, olhei para trás
Vi a escama caída no chão
Pálida, mole, desprovida de
Vitalidade
Observei aquela monstruosidade
Enquanto eu ostentava vigor
Evidente depois de se livrar
De estrita relação
De parasitismo