Invejo o coveiro

Invejo o coveiro

Porque ele enterra os mortos,

Sem dar importância a choro ou contrariedade.

Mesmo que outros lamentem

Sua perda imensurável,

Que já não é outra coisa senão um cadáver.

Mas quando se enterra

Essa sobra que é saudade,

Só resta assumir que não há o que fazer.

Eu, não...

Estou apegado a todos os meus mortos,

Eles estão para fora das covas que eu nem cheguei a cavar,

Rijos e apodrecidos,

Fedidos e arruinados.

Encaro-os friamente,

Reconheço na feição deles a minha própria feição,

Lembro nesse rapto de seus tempos de vida,

Querendo ser alquimista para fazê-los ressurgir.

Em meu íntimo, não carrego ilusão alguma;

Se carrego, trata-se de uma ação mecânica,

Profundamente insincera que não passa de uma distração.

Bem como os que usam chapéus num ambiente fechado.

Sei que meus mortos não terão vida novamente.

Sei que estão mortos,

Literalmente mortos,

Mortos inegavelmente,

Mortos como a chuva que se transformou em lama.

No entanto, que faz eu?

Não os enterro

E eles apodrecem...

Não peguei em pá alguma,

Não cavei nenhuma cova,

Não fiz nenhuma lápide,

Nem recitei epitáfios,

Fiquei só nas elegias e atos fúnebres.

Agora estão todos diante de mim,

Pilhas e pilhas,

Todos apodrecendo, cobertos de abutres,

Preenchidos com vermes e fungos.