Essa Indiferença
Mais um fim de ano se aproxima
Eu, já sem encanto de menino
Com poucas coisas hoje, me fascino
Contínuo na parte de baixo, mesmo em cima
Lembrando da época do pé no chão
Quando eu acreditava em papai Noel
E não sabia ler nem, escrever meu papel
Cozinhava na lenha, na panela preta carvão
Comia arroz branco e chibé de farinha
Vendia e passava troco, sem ir a escola
Passando a sacola para mais uma esmola
Morando na rua, tapera, ponte ou casinha
Pegando um acará ou pássaro na arapuca
Roendo coco pra matar a fome
Juntando comida do lixo, filmagem que não some
Bebendo água da cabaça com a cumbuca
A fogueira e a lamparina eram pingos na noite
Na rotina de roçar, fazer coivara e capinar
Meu sonho era ir no açude brincar e nadar
Por atravessar o arame, levei do chicote um açoite
É só mais um fim de ano, sonhos perdidos
Recortes e lembranças de uma infância sombria
Apenas um ovo, a minha fome inebria
Prego na havaiana, pulga, frieira e pés feridos
Família despedaçada, fome, dor e doença
Não devo me encantar com luzes de fim de ano
Agradeço a Deus por tudo, mas também reclamo
Será só minha, essa indiferença?
O meio condiciona o ser, então é minha história
Não há reconstrução, entre verdades Segue a vida
Entre ficar, sempre é mais forte a despedida
Trilha sonora da estrada predatória
Vícios e traumas alojados no mesmo saquitel
Substantivo de difícil convivência e mistura
O ano é novo, mas velha é a postura
No final e no começo, não muda a cor do nosso céu.