INOCÊNCIA ROUBADA
Quem dera a felicidade não fosse transitória
Mas eterna em cada instante que a sentimos
E ainda mais permanente em nossa memória
Como a dor que constantemente omitimos
O que me arrasta nesse pensamento hostil
(Pois é assim que o concebo como ilusório)
Provém da desilusão do meu tempo juvenil
Quando inda pairava nas nuvens do casório
Queria que só vagamente, estas lembranças
Me viessem, e todas em forma de gracejos
Mas não até ao presente me fazer cobranças
Como em Janeiro após os bem-ditos festejos
Era suposto ser o auge da minha realização
Como menina na flor da ansiedade precoce
Transbordando, em mim, fluidos de emoção
Como se feita de infinita felicidade, eu fosse
E o que veio a ser para minha total surpresa
E também para meu todo desconhecimento
Longe de pensar que o calor traz em si frieza
Fui acometida pelo meu próprio sentimento
Encarando o cume do Evereste sentimental
Tinha acabado de projectar a minha queda
Pois 'scalei destemidamente a montanha tal
Com uma vontade descomunalmente cega
O sucedido foi a perda da minha castidade
Que me tornou para a vida toda maculada
Uma inocência que eu presava com a idade
Tinha sido franca e honestamente roubada
Despiram-me por dentro e não só por fora
Levaram consigo não só a minha inocência
Como um rio que pelo sol bravo se evapora
Extinguiram por completo a minha essência
Desse ponto ao momento que componho
Meu destino rumou para uma inútil viagem
Onde concedi à luz a um cadáver de sonho
Tão inalcançável como uma astuta miragem
Como o gozo depois da exaustante incursão
Festejei em segundos o que há anos planeei
Hoje da vida tenho uma tremenda repulsão
Pelo primeiro e único homem que eu amei.