CATARSE POÉTICA
"A vida é uma orgia
generalizada de indecências"
Última Quimera, Ana Miranda
Raios! Não quero mais saber de flores!
Nem do olhar maravilhado e poético
Que encontra a beleza no mais patético
Encontro, e ternura em inúteis amores.
Daqui pra frente, cantarei sobre a fraude
Que infesta e domina essa realidade,
De seres de puro egoísmo e maldade,
Que enquanto um bate, o outro incentiva e aplaude.
Quero que essa ditosa e meiga flâmula,
Padroeira minha desde da tenra infância,
Apague de vez, ou arda em rutilância,
Já que a descrença é hoje minha súmula!
Sinto o odor da bile negra e rançosa
Sendo exalada de antigos escritos,
Gorfo ao lembrar dos amigos malditos
Que elogiaram essa herança asquerosa.
Sim! Vomitativa, insossa e improfícua,
Enfim, lixo espelhado no lixão
Que é a vida, na qual toda relação
Só anda se for dos dois lados iníqua!
Quero que queimem meus antigos versos!
Mas antes, peço que os faça sofrer.
Coloque-os defronte ao um pávido ser
Que provou todos os males diversos,
E peça-o para lê-los de corpo e alma.
Terminada a leitura, indague-o assim:
"Pobre homem de sofrimento sem fim,
Que viu a realidade e sua horrenda fauna!
O que nós pode dizer dessas linhas?
Por ventura, sentiu a forte emoção
Que o eu lírico tem por sua paixão?
Ou a dor que geme nas noites sozinhas?"
E o medonho bastião de agonia,
Com o escárnio dos que viram demais,
Na penumbra colorida dos vitrais
Dirá: "Eis um homem de alma vazia.
Palavras cadenciadas à esmo,
Assuntos genéricos e sem graça,
Rimas forçadas que ele não disfarça,
Pedantismo esboçado pelo mesmo.
E o quão pequeno são tais enfadonhos
Quando se percebe que o tolo jovem,
Vive em mundos ideais que não chovem.
Sendo seus poemas somente sonhos
Que não acham consonância na vida,
Tendo por certo um verniz de apatia
Embalsamando sua atitude fria,
Fazendo com que produza essa lida
Poesia natimorta e indolente."
Assim responderá. E a cada insulto
Proferido por esse fugaz vulto,
A obra gritará em som alto e demente!
E ouvindo esse bramir animalesco
Saberei que me livrei dos grilhões
Dessa vil poética de paixões,
Restando-me enfim... o inferno dantesco!