ENTULHO NA ALMA
Enquanto as situações aparentam ser mais do que realmente são
Um pouquinho do tempo de viver se esvai
A areia na ampulheta quase chega aos últimos grãos
E até o vidro que era frágil sem resistência se estilhaça e cai
Como partículas de tempo ao chão
No que parecia ser só mais um dia eventos súbitos se sucedem
É meu querer que despreza toda e qualquer companhia
É meu mover que antecede o falso brilho do cristal enquanto discursam e prometem
Enquanto falam o que sequer ninguém ouve
Ou em linguagem mórbida compreendem
Talvez a dúvida me faça crescer raízes natas e profundas
Talvez a perspicácia me induza ao erro
Não, prefiro neste desterro guardar em cofre a sete chaves meu sigiloso segredo
Do que submeter-me aos desígnios de medo
Náufrago degredado na distante ilha do que já foram meus intentos e enredos
Do dia que já foi memorável em gratificantes tempos de honrarias
Hoje riem e gralham em perniciosa e infâme zombaria
Ninguém toma por fama
Se quebra a confiança como coluna que sustenta a torre forte dos dias
Tudo desmorona
E as ruínas tomam conta da alma
Os entulhos aí refugados não hão de sair
Nem se de negros passarem ao mais brilhante na desilusão dos próprios dias
A alma é depósito com entradas só de ida
Das chaves ninguém sabe
Ninguém pode desvendar suas saídas ainda
Mas da certeza se extrai aquilo que já não é mais certo
Do que de perto pode sufocar uma quase displicente vida
30/06/2022
10:30hrs