MADEMOISELLE
Querida e amada Mademoiselle,
Como estás?
Vai tudo bem contigo?
Espero que sim.
Há muito tempo não recebo notícias suas, mas me lembro perfeitamente do seu vigor e viço.
Me lembro da pele, cor de avelã que insistias em manter longe do frio, com sufocante cachecol em torno do pescoço...
Ah o frio... Este sim era o teor da atmosfera... Mas também se fez de gélida parede e nos dividiu, sem ao menos permitir mais um encontro...
Por falar em frio, aquele gato matreiro ainda se aquenta em cima da lareira? Lembro-me bem do seu pelo espesso e cinza, quase a se misturar com os restos da lenha queimada na fogueira...
E de restos estou vivendo..
Tal qual essas brasas que se apagam em final de madrugada, estou apagando por dentro...
Sem ver o teu rosto, Mademoiselle!
Sem sorver do seu leve e doce encanto Mademoiselle!
Onde estás agora?
Por onde andas que já não ouço tuas novas?
Me privastes de tão agradável e jovial presença.
Ah, me torturas à distância...
Me quebras sem ao menos encostares em mim...
Onde estás que já não mais respondes?
Os jantares são tão frios.
Talvez nem tanto, como o frio em que te tornaras...
Talvez o gélido inverno em que em meu coração desabara nunca mais deixe despontar as outras estações...
Por onde andará meu coração? Decerto que junto ao teu ele já não está mais...
Me lembro das manhãs primaveris...
O inebriante perfume dos miosótis de que tanto tu gostavas...
Os jasmins que permeavam o estreito caminho em descida até o lago cheio de alvos cisnes...
O chilrar das andorinhas em bando rasgando o céu nas manhãs iluminadas, mas embaçadas face ao teu primoroso esplendor de beleza sem igual, quase celeste,
ó Mademoiselle!!
Ora, sei que ainda gostas das matinais caminhadas,se te conheço muito bem!
Decerto que toda vez que amanhece, fazes o teu passeio entre os jardins, como deves estar fazendo nessa hora.
Eles têm o mesmo encanto, sem me ter ao teu lado?
Creio que não...
E se estou certo, sei que mesmo que esteja sorrindo seu sorriso emperolado, por dentro estás desmoronada e alvoroçada...
Enfim, esta é minha última tentativa.
Já não tenho mais tempo.
Se te apraz, manda-me a resposta desta terna carta.
Manda-me ao menos um recado, nem que seja para confirmar o temor que já me invadiu faz tempo...
Se te lembras ainda das nossas conversas e risos, hás de ter comigo essa mínima consideração, e espero ao menos isso de vossa parte!
Me despeço desesperançoso, mas anseio por resposta tua.
Não me deixes a deriva, querida Mademoiselle...
Sei que desfeito nosso juramento, já não posso te chamar de minha Mademoiselle...
C'est lá vie...
Desconfio do destino, impostor maldito e já não tenho coragem ou forças pra ir à tua procura.
Peço-te que tenhas compaixão deste pobre e miserável coração e que seja um sim ou um não, me consoles com uma palavra tua.
Até mais ver...
Até breve...
Ou até nunca mais!
Querida Mademoiselle!
Voilá, me despeço sem querer me despedir, nunca foi esse o meu desejo e sabes disso...
Mas face ao apelo que lhe faço, resta apenas para mim esperar...
Talvez eu saiba que não por ti, talvez nem por resposta sua...
Mas com certeza por algo que dê fim ao meu tormento.
Com carinho...
Sem mais no momento, até...
30/04/2022
16:43hrs