cinzas
Confluem-se em mim todos os tremores
Todas as fumaças e fracassos.
Tomam-me de uma vez todos os incêndios
Vorazes, a queimarem-me os pantanais de sonho.
Não valho que siga.
Três pássaros brancos passam por mim, inúteis
Ridiculamente brancos e voantes
Ofensivos em sua triangular impensada ordem
Ofensivamente natural
A escancarar-me os urubus que sou, que grasnam
A devorarem carcaças.
Não valho que siga.
Eu, que me queimo as esperanças vãs
Que queimo as de tantos outros
Que ainda creem que eu possa
Que eu siga.
E posso, mas não vou: não voo.
Queimo, ao revés. Retrocedo em brasas.
Circundam-me as cinzas de meu ser que voam perdidas
Cinzas, não brancas, a sujarem o chão alto
Urubus incinerados
Brasas apagantes de meu fracasso assombrado
Pasmo do que quase fora.
Ia bem. Mas anoitece. Anoiteço. E não apago.
Queimo e escorro o resto em que me escombro.
Ouço ao longe entoarem cantos de apanágio
Não tão ao longe assim, nem de apanágio tanto
Senão o rito formal de quem não sabe
Nada. Do fogo. De todos os fogos. O fogo.
Pude, mas me perdi por um triz.
Anoiteceu súbito, e ainda queimo, insano.
Amanhã acordarei em cinzas e darei conta. De olhos em brasa.
De alma em destroços.
(Percebem-me? Não sei. Nem tanto. Não querem.)
Minhas luzes já serviram de fundo
A quem nem sabe o que sou, o que sinto
A quem não sei o que sabe, o que sente.
Era fogo, não luzes...
E é isso. A legitimidade precária, a mentira
A ilusão repentinamente acendida
Que não se sustenta, e queima rápido
A desprezar os bobos pássaros brancos
Urubus em disfarce que nem sei de onde vêm
Aonde vão.
Margeio o voo, rondo a vida, mas quero carcaças.
(Alguém me assustou um pouco hoje:
Outros tremores, outros insanos incêndios
De que nada sei, presumo...
E assim persistimos solos dispersos
Queimados em cinzas ex-brasas).
Profetizo resquícios de clarão: fulgores.
Vou ao rescaldo, que me tardo.