Amizade acebolada
Essa amizade foi cebola aos olhos meus. A cortei aos poucos, e enquanto a cortava chorava como um lactante que lhe é arrancado o peito materno.
Essa amizade se criou nas raízes de meu eu juvenil, aquele, digo, que é carente de companhia e atenção, tal como a cebola se desenvolve nas raízes da allium cepa, carente de sol e irrigação.
Essa amizade, bem, não era uniforme como o vegetal, que é esférico; era informe, era nublada e indiscriminável. Não se podia medir suas dimensões nem seu peso, para nenhum dos envoltos nela.
Essa amizade me deu a falsa esperança de que no mundo eu não estava só. Me fez crer, erroneamente, que podia confiar em alguém. No fim, se mostrou ácida, tal qual o vegetal.
Essa amizade, bom, tive que cortar, passar a faca de uma vez e cozinhá-la na sopa das minhas lembranças. Não foi fácil. A cada corte nela quem sangrava era eu, pelos olhos. Sangue transparente e salgado, carregado de dor. Lágrimas de um irmão mais velho que enterra o caçula.
Essa amizade, tal como a cebola, eu pude cortar, todavia, assim também como a cebola, ela, a amizade, me fez chorar.