Tríptico desalento

I.

Há um apreço premente pela pressa,

Uma pressão contumaz sobre o coração,

Que se meça a palpitação do incerto,

Quando cessa o dia pasmo-boquiaberto.

Fugaz o tempo, outrossim, escapa

Do momento, vê-se o sopro e o fim

Com pernas curtas, longas jardas,

Alardas tu o cansaço e eu: apogeu.

Dolorido semblante de retorcido aço

Diz sobre o crasso erro de rota,

Derrota extemporânea, mandatória.

Indeferida glória, combalida honra.

Finda-se tal desvalida história

Sem memória nem lembrança de si.

II.

Riu-se a fria sombra guardada na treva.

No bojo da penumbra, Eva – a pecadora,

Escavava pela tundra astral o seu perdão.

Achou apenas as vozes da condenação moral.

Qual não foi a situação de seu consorte?

E qual revés ou sorte não lhe sobreveio?

Do neutro, que é limbo: o lugar do meio.

Adão, sem juízo algum, purga sem paraíso.

Esmoleiros da fábula deveras condoreira,

garimpam a paz à beira do delírio humano

que se compraz do martírio, do engano.

A eternidade a doer como maldição de morte.

Pela contestação, corte a carne insurgente.

É urgente que se mantenham os prisioneiros.

III.

Oh priscas verdades ainda agora redivivas,

Sabedes que sois o pão dos atormentadores

Que arrebatam padecedores pelas fraquezas.

Que fosse o mudamento, o novo mandamento!

Imparável é o galope do clarescuro corcel,

Da mudança feita escarcéu que lhe governa.

O bom sumo do sol brilha fora da caverna

Já dizia ela, tal plurivalente filosofia.

Usada, a fantasia do pensar eleva a vida

E dá com ela de voar, arejar o tempo.

É bálsamo contra o desalento das culpas.

Mas a fera devoradora em vestes de quimera

Também espreita-te, espera a hora do ataque,

De proclamar-se senhora cabal de teus brios.

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 01/09/2020
Código do texto: T7052007
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