Sem marcas


Eu sei desta vida todo o fracasso,
dos tropeços, o escuro, a saudade,
o enredo, o medo, a vaidade,
a forma errônea, o conceito que é certo.
Eu sei desta vida o passo deserto,
a sombra de dúvidas que baixa no rosto,
o tom árduo de que é sempre composto
o fim da linha de trem que não retorna.
Eu sei de cada momento o semblante
que fere, trama, espanta,
enquanto a mágoa ergue-se, agiganta,
baixando a lágrima que mergulha,
desponta, molha e acende a fagulha
que explode o barril da saudade.
Eu lembro nesta vida de distância,
da ausência que fiquei da felicidade,
a perseguida mulher de todos,
dos amantes sem nomes,
dos presos sem liberdade.
Hoje quero estar apenas em algures,
momentos longínquos,
para debater com as horas o sabor da vida,
o gosto fiel de ser dono de si,
de estar só sem receios e medo;
medo de tropeçar na saudade,
cair nas lembranças e morrer.
Não, já não sou o mesmo.
Aquele que figurou um romance
sem fim, apenas um início,
princípio do sofrimento
com o meio desbotado,
sem os bordados, nem os matizes
que não deixam mágoas, nem cicatrizes.