Eu, roupa
Eu te vesti em roupas
Que não te cabem
Ofereci minha nudez em troca
Mas de nada vale essa mercadoria
E desse emaranhado de trouxas
Só sobrou o pó
Quando abri meu guarda roupa de emoções
Pude constatar o mofo
A alergia que esse véu de ilusão me proporcionou
Coloquei luvas ao te tocar
Minhas digitais não te reconheceram como indivíduo inteiro em essência
Mas, sim, com máscaras
Que ao retirá-las pude perceber
Toda peça, todo item
Que coloquei em seu corpo.
O amor está à venda,
Quem o compra espera suprir
O desejo da falta
Mas o produto, infelizmente, nunca é original de fábrica
Então nos utilizamos de artifícios para ficarmos atraentes e belos
Para que alguém nos banque pelo preço inteiro
Mas a realidade é que o consumo massacra
O capitalismo nos rasga em trapos
Então nos contentamos em caber em espaços pequenos
Estarmos no fundo da gaveta usada do esquecimento
Torcendo para que um dia
Alguém nos escolha
Pelo material bruto
E não para ser um meio
De ser descartado.
(Usa, abusa, se cansa)
Roupa remendada, maltrapilha
O novo é mais barato, descomplica
Tantas opções em promoção
E tão repetitivas
Um lixo de afetos
Que tentamos encontrar luxo
Na reciclagem do velho.