Não era para ser assim...

Não

Não era para ser assim

Um dia eu tive sonhos

Vi as ilusões nascerem, brilharem e secarem como uma rosa arrancada da roseira

Minha vida descendo a ladeira

Os sonhos morrendo cada dia um pouco

Até nada mais sobrar

Onde foi parar aquela criança magrela e doente

De chinelos velhos e bermuda rasgada?

Que ainda acreditava que podia ser alguém?

Onde foi parar o sonho de ser feliz?

Não era para ser assim...

Aquela criança triste, miserável e sonhadora

Que falava sozinha pelos cantos

Sonhando em ser um grande escritor

Não merecia esse fim

Estar prostrada

No escuro

Num quarto qualquer

De um lugar qualquer

Sentindo, dor, angústia

E esperando desesperadamente o fim chegar para não mais sofrer

Não

Não era para ser assim...

E eu nunca vou entender

O que deu errado?

Onde me perdi?

Ainda vejo aquela criança miserável de chinelos velhos, bermuda rasgada e olhar triste

Ela está sentada na porta de uma tapera

Olhando triste para o horizonte

Esperando por algo

Um olhar

Um abraço

Um carinho

Um pouco de amor e proteção

Tento ir até ela

Me aproximo

Fico parado olhando para ela

Ela está de cabeça baixa agora, olhando para o chão

Eu tento acariciar a cabeça do menino, mas minhas mãos ficam suspensas no ar

Então, o menino me lança um olhar triste

O qual atravessa minha alma feito uma flecha

E em seus olhos, eu posso me ver nos meus quase 40 anos: velho e acabado

Ele me estende as mãos

Eu as seguro ainda tremendo por dentro

E ele me diz: "Não era para ser assim. Você prometeu uma vida melhor para nós."

Com um nó na garganta, eu desvio o olhar e apenas digo: " Eu sei, me perdoa, me perdoa. Eu me perdi. Eu me perdi.

As lágrimas caem dos meus olhos. O menino também está chorando agora. E de repente me puxa num forte abraço e fala entre lágrimas: "Eu lhe perdoo. Eu lhe perdoo. Mas o que a gente faz agora?

Com a voz embargada, eu me sento ao lado dele e digo: " Agora a gente apenas espera. A gente apenas espera.

E então ele me olha bem nos olhos e pergunta: " Espera o quê?

E então eu digo: " A gente apenas espera a morte chegar e com o nosso sofrimento finalmente acabar."

O menino parece entender. Encosta a cabeça nos meus ombros e dorme. Parece bem mais tranquilo agora. Eu também fecho os meus olhos. E juntos, o menino e eu mergulhamos para sempre na mais completa escuridão.