O depois não chegou

Aquela noite quase sem fim

Como de costume, amanheceu

Mas para eles, ainda era noite

Dentro de ambos restava o breu.

Ela acordou imóvel na cama

Como quem de um coma saía

Olhos inchados sob o travesseiro

Ignorando por inteiro, o nascer do dia.

Ele assistiu pela janela aberta

O primeiro raio de sol pela sala entrar

Uma noite em claro, um corpo dormente

No sofá de canto da sala de estar.

Ela, sufocada pelo que não disse

Ele, abafado pelo que deixou de ouvir

Ela, esperando que se decidisse

Ele, segurando seu mundo a cair.

Ambos juntam os cacos que sobraram

De um dia onde o silêncio foi o vilão

E imaginam se o que restou será capaz

De curar o ferimento em cada coração.

Ele espera que ela ainda fale

Tudo o que ontem se recusou a falar

Ela se pergunta, se ainda há tempo

Acreditando que o melhor seja calar.

Se ela não fala, ele não ouve

E acaba desistindo de dizer

Que bastava uma palavra dela

Para tudo então se resolver.

Mas a palavra não foi dita

Nem por ele, nem por ela

O silêncio rasgou o momento

Do ferimento, sobrou a sequela.

Os dois protagonizaram

A morte de um sentimento

Que deixou de ser cuidado

Foi jogado ao relento.

Sofreu um golpe brutal

Mas não morreu no mesmo dia

Antes tivesse sido fatal

De tanta dor os pouparia.

Mas o amor ficou ali

Jogado ao chão naquela rua

Abandonado por quem os tinha

Morreu velado pela lua.

A grande tragédia não foi o silêncio,

Mas o coração que do outro descuidou

Acreditando que o remédio seria o tempo

Esperaram um depois que nunca chegou.