OS PASSOS AFLITOS DO HOMEM
Eu disparo as palavras para o alto das árvores, para que ganhem altura, mas elas não se sustentam e sem serem ouvidas, voltam ao chão.
Os redemoinhos passantes as retorcem e as fulminam no varrer da estrada batida, brincando com as folhas soltas, ciscos pequenos e grãos de areia despregados do solo. Um mundo áspero me cerca.
Redemoinhos é a dança dos espíritos que se desmaterializam, creem os antigos!
Minhas narinas abertas captam o cheiro das transformações que se embaralham com o cheiro de pó e da podridão do mundo. Porém, nada recebo dos espíritos!
Eu queria ser uma abelha se orientaando pelas fragancias das novas estações. Porque tudo que é natural me ama e é também por mim amado. Eu sou isso e vice versa.
Tenho paixão pelas coisas simples. Pedras gigantes, são para mim, cartórios do tempo, guardando códigos impenetráveis. Caminho por elas, ancestrais e belas! São meus brinquedos! Soucriança num parque de diversões, cheio de surpresas!
Eu as toco com meu rosto de incertezas e sedição. Cochilo por um instante, mas elas não se importam e seguem seu sono profundo e quase eterno.
Tratam-me como se fosse uma mosca, impassíveis aos meus sentimentos. Sou obcecado pelas verdades que escondem. Elas sabem disso. Na verdade, para elas não sou nada, talvez uma larva transitória
e elas me conhecem e entendem que sou breve. Um triscar de olhos, nas suas dimensões do tempo, um relâmpago nas eras.
Reflito,por um segundo: Como pode haver uma força capaz de dissolvê-las?
Meu amor pela terra, pelo vento e pelas águas também é infinitamente grande. Eu beijo a natureza com meus olhos tristes, de submissão e humildade e ela me abençoa!
Andar sem governo é o que me move. Cruzo o rio com as águas nos joelhos, criando um torvelinho, em torno dos meus passos.
Gostaria de dissolver-me nelas e seguir com elas seu destino inelutável e periódico até despedaçar-me no mar e depois ser sugado, evaporado pelo sol e habitar as nuvens, sem corpo e sem peso!
Poder ver o mundo lá de cima com desdém e desprezo, num arroubo de superioridade extrema e lá pasmar-me e condoer-me com a imobilidade dos seres cá embaixo, com misericórdia e alguma compunção!
-Oh reles mortais!!! Ah que pretensão a minha, ser um elemento metamórfico, possuidor da leveza de um camaleão, com várias dimensões, formas de vida e eternidade.
Os braços do sol me alcançam, sou também tocado pelos ecos do infinito e sinto as sensações que vem das fronteiras do universo e seus aromas novíssimos.
Ser um pássaro já me bastaria, no seu voo vertical e excruciante em relação ao meu atavismo e a tudo que rasteja e dói neste mundo horizontal e limitado.
Contudo, minha realidade é estar pregado ao dorso da grande nave. Minha boca ressecada e amarga parece ter lambido a paisagem queimada de sol.
Do alto, vejo o vale imenso e tenho ganas e solto um grito. Minha voz incontida e aguda, estridente se perde antes de chegar do outro lado, onde ficam outros montes. Nada me ouve, nada me fita, nada me ilumina. O escuro já se prenuncia. Eu sou o escuro e alheio à paisagem. Nunca estive tão só neste mundo, sem pares.
Um corvo preto como a noite, me espreita planando no espaço!
A relva magra, os gravetos miúdos, seus caules raquíticos, a baba escorrendo na minha boca, o gosto do cravo mascado nos dentes, o ar rarefeito, somam-se à cor acinzentada descampando nas ondulações deste ambiente gris e melancólico. Tudo me mortaliza!
Nada mexe! As folhas das árvores mirradas parecem irreais. Vasto é o campo! Tudo parece morto e sem vida. Nenhum pássaro, nenhum grilo, nem o zumbido de um inseto, só deserto e silencio se avista no caminhar do crepúsculo.
Meus sentidos, muito mais meu coração, também parecem doentes como a paisagem. Meu coração ainda mantém resquícios das paixões esgarçadas pela vida. Ele parece um depósito antigo sem portas e imundo, não mais usado, onde sobraram caixas vazias e mercadorias sem uso.
Quantas paixões ainda poderia guardar meu coração?
O fosco do dia aliena-me e me deixa sem referência. Procuro em mim sinais vitais. Finjo saber onde vou! Sou mais um espantalho que anda! Um ponto móvel e confuso. Olho então, para o alto do céu, onde o corvo me observa e me pergunto sem esperar resposta:
Quanta luz poderia abrigar este dia sem alma?
Reporto um cheiro ocre fumaça, um calor que queima a garganta e aquece os pulmões. Ha sinais de fumaça distante. Sinais humanos. Um misto de cheiro de mato, odores silvestres secos, gosto de pó no céu da boca e de terra esturricada nas narinas. Meus pés pesam como se fossem chumbo dentro das botinas suadas!
Tenho a sensação de viver o epílogo de alguma jornada mal sucedida e incompleta, então não consigo evitar a pergunta que se levanta como poeira naquele campo desnudo nas mãos do vento inquieto:
Quanta vida ainda existiria no meu corpo? Quanto falta para que eu habite verdadeiramente o seio da terra e meu ser se dissolva como os redemoinhos no ar?