Cronos
_ Malditos pombos! Não nos deixam lugar na praça.
Em vão, me ponho a procurar com os olhos,
tentando encontrar um banco heroico
que não esteja infestado das fezes desses bichos,
até que, derrotado, me entrego à imundície.
Velho, observo o teu olhar tão triste;
tua face carrancuda e ar de desalento.
Teus cabelos desgrenhados e embranquecidos.
Os folguedos das crianças não te provocam risos
e pelos poucos amigos, há muito foste esquecido.
Velho, pelo tempo e o cansaço foste vencido.
Pobre velho, por que guardas tanta mágoa?
Os pequeninos órfãos logo te rodeiam,
até que, insistente, um pequeno te pede:
_ Vô, me conta uma história?
Contudo, tu logo o rechaças.
Quando me olho no espelho, tudo o que vejo
é um rosto decrépito, sopro amargado de vida.
Mãos trêmulas levam aos lábios uma fotografia.
Beijas a imagem de uma jovem de semblante sereno,
com um sorriso algo apagado que ainda te parece lindo:
_ Oh, minha adorada Lucinda!
Um amor que ficara perdido em algum lugar no tempo.
Uma lágrima traidora e inoportuna revela um lamento.
Meu velho, por alguns instantes ainda te sentes vivo.
Fecho os olhos, esperando não mais reabri-los.
Para o ancião, Cronos continua a devorar seus filhos.