Criança sem rumo

Criança que sobes,

aquela calçada.

Arrastas teu corpo.

Estás tão cansada.

De andrajos coberta,

que não cobrem nada.

Os pés, entronxados

em tiras de nada.

E eles já sangram,

e não sentes nada.

Teus olhos mortiços,

já não vêem nada.

Nas mãos, tão gretadas,

sujas e manchadas.

Seguras sem jeito

umas côdeas magras.

Que te foram dadas,

por mãos caridosas.

De meia janela

logo fechada,

à dor e miséria,

que não querem ver.

E não vêem nada`.

Criança que sobes,

aquela calçada.

Tua caixa de graxa,

está tão pesada.

O tempo não conta,

não te serve de nada.

O tempo a passar,

e tu a subir .

O cansaço a crescer,

e tu a insistires.

E tu sem sentires.

Agora teus pés,

arrastando vão.

o lixo, que encontram

atulhando o chão.

As côdeas de pão?

Já as não tens não.

Ficaram para trás.

Comeu-as o cão,

apanhanhou-as do chão.

Ele, que te acompanha

fiel e rendido,

no mesmo destino,

que os agrilhoou,

e que os aliou.

Teu amigo é .

Tua consolação.

Juntinhos adormecem,

enrolados no chão,

de pedras frias,

escorregadias,

do inverno rigoroso.

E muito penoso.

É o único carinho

do teu coração.

O teu guardião.

No meio do mundo,

cheio de perversão.

Impiedades sem fim,

não merecem perdão.

Quem passa por eles

Arreda-se bem.

Com muito desprezo

e muito desdem.

Chamam-lhe o traste

que julga ser gente.

Afronta as gentes,

que correm apressados

Que vão à missa

das seis da tarde.

De terço na mão

e, muita devoção.

E tão piedosos...

E bem emproados.

E cospem no chão..

de tão enjoados.

do cheiro que exala.. .

daquele desgraçado...

Que de tão cansado,

de tão arrastado,

de tão assustado,

e inanimado.

caiu no chão.

Só o seu amigo.

O pequeno cão,

lhe lambe as mãos.

Emite ganidos.

Que são lamentos.

Que são ouvidos.

Mas ignorados,

pela gente que passa,

de tão apressados.

para a missa das seis.

Terá começado?

Ele sabe que por fim.

Ficará sozinho.

No mundo perdido.

Menino cansado

Que subias a calçada.

Chegaste ao termo

da tua jornada.

E no limite do fim,

uma luz te cobriu,

que do céu desceu.

Um manto diáfano,

paira sobre a cena

que a vida armou.

A igreja está cheia.

e ninguém percebeu.....

que ali, nada aconteceu.

Porque foi mais abaixo

no meio da calçada

que a missa se fez

silenciada.

.

Os sonhos, esses ficaram,

gravados para sempre

no chão da calçada.

Eles são do menino,

que jogava o pião.

Brincava na rua .

Tinha cama e pão

e tinha o seu cão. .

E eras feliz .

Tinha alegria.

Sonhava de noite

e até dia.

Era a magia,

do seu coração.

Sua voz se ouvia.

Gritava e cantava.

Sabia falar

e cumprimentar.

quem por si passava.

Sabia escrever.

Sabia ler.

Sabia rir.

E quanta alegria.

ele sentia

e a repartia,

com tanta emoção,

por alguém, que lhe enchia

o seu coração.

E quando a ouvia

chamá-lo de mansinho,

quando lhe dizia:

“Vem meu filhinho,

vem, a janta esta pronta,

não vá esfriar”

Uma cortina gasta ,

escondia a entrada.

Uma toalha remendada

muito desgastada,

de linho bordada.

mas muito limpinha.

Cobria a mesa

posta na cozinha.

Um prato de comida fumegava .

A mãe de olhos doces,

o abençoava.

Dava-lhe beijos

e o abraçava.

Com força demais.

Que a deixava esgotada.

Esmorecida e estonteada,

de fraca que andava.

Quê dê da mãe

do menino da calçada?

Que subia triste nesse entardecer.

A caminho do casebre

que fora a sua morada.

Já muito vazia.

Já não tinha nada.

Levou-a a morte

Numa madrugada.

E desta história

Não ficou mais nada….

De Tétita

Setembro de 07

Tetita ou Té
Enviado por Tetita ou Té em 01/09/2007
Reeditado em 02/09/2007
Código do texto: T633775
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