Carta1
E quando me viu no ônibus, preferiu ficar em pé e não sentar-se ao meu lado.
Nem parecia que em meu ombro ela já tinha adormecido
que minha camisa lhe servia de vestido
ou que aquele tênis velho que eu usava
fora ela quem tinha escolhido.
Que o café preto que fazia, fora eu quem tinha lhe ensinado.
Não parecia que a música favorita dela tinha sido eu quem um dia tinha lhe apresentado.
Não parecia que na parede do quarto dela antes fotos minhas tinha ela pendurado.
Não parecia que nada disso um dia tivesse acontecido.
Nem que nas madrugadas me mandava mensagem escondido
pra que eu lesse quando acordasse do meu sono tão profundo
E me alegrasse por ter alguém como ela no meu mundo
Não parecia que fazia questão que o meu primeiro bom dia fosse dela.
Não parecia que ficava horas reclamando da vida no meu ouvido
e mesmo assim, durante os meus silêncios mais cumpridos
Dizia que a melhor conversa da sua vida fora esta.
Não parecia que meus poemas ela escrevia num caderno sem linhas.
E que de todos os versos que pra ela, eu escrevia,
tinham mais dela do que eu mesmo previa
Mas quando ela me viu, preferiu nem olhar.
Na verdade, olhou mas preferiu não ter visto.
Porque lembrar de algo que te fez tão feliz quanto um dia fora isto
Um sorriso sem resposta, cenas de imprevistos,
machucam muito mais do eu poderia te explicar
Velhos amigos, agora, novos desconhecidos.
A minha barriga ainda dói quando me pego pensando nela.
Não sei se é um aviso
Ou se é a saudade se sobressaindo
Só sei que as feridas ainda doem como um alerta de perigo
Eu me pergunto se ela lembra da nossa história como eu lembro
De como tudo começou,
de como quanto durou
e quando por fim terminou
Como doloroso foi
A rotina misturada,
teve que ser apagada.
Seus objetos na minha casa
Ficaram como um presente de despedida
Que na verdade nua e crua
Eu os guardei em uma caixa
Que no topo eu escrevi com uma caneta azulada
Memórias de um amor
Que a única dor que me causou
Foi não ter vivido mais dele, até ao fim que o perdurou
E agora como quem sou
fico assim meio perdido, de coração largo e acanhado
como quem lembra de tempos passados
recordo de alguém que um dia já foi minha, mas hoje é simples estranha na rua
e mesmo nós dois nos conhecendo tanto e um dia tanto termos nos amado
nossos olhos sequer se encontraram
Pra não parecer que a saudade
É na verdade, a nossa única realidade