O grito
Nenhum sarcasmo já me serve de escape
Parece em vão a fim de exclamar minha pobre condição
Tampouco eufemismos o ocultar minha tristeza
Monólogos malucos pela madrugada
Nada é capaz de atenuar o meu sofrer
Sem nunca pisar pela superfície plana da prosperidade
Pois sempre a escuridão e espinhos foram favas contadas
E assim, a vida me escapa, se perde no curso arbitrário do destino
Nesse itinerário confuso da existência
Necessidades orgânicas, projetos, sonhos
Tudo sucumbe à calamidade do conformismo
Quando o futuro é mera ilha submersa
Onde céu azul cai pôr terra
No simples dissabor de ver ao alvorecer
Porque “viver” se conjuga como muito suplício
Talvez o ensaio a melancólica despedida
Num latifúndio infinito chamado mundo
Embora com toda sua imensidão
Torna-se pequeno demais a minha presença
Visto é que grande o vácuo entre nós:
Não cabe nele o provincianismo, a timidez e os escrúpulos
Deste que escreve esses tortos versos
Uma ruptura brusca se aproxima... Dar-se-á a mim sentença
Essa aura cristalina que em cabe tão bem
Foi o agouro de minha própria ruína
Pois toda vida me desviei das patologias terráqueas:
Do efêmero, de seus imediatismos tolos
Ainda que sem simples recompensa verbal
Não obstante somente o escárnio se fez cativo
Meus murmúrios evocam a renuncia
A denúncia sincera da ausência de si mesmo
Posto que nunca pude viver sob o signo do amor
Sob a beleza que se abre ao coração deserto
Tão árido da chama que enleva a alma ao paraíso
Sinônimo explícito de encantamento inume ao tempo e ao risco
E aos planos ardilosos do pretenso destino