Revolta Intima

Ninguém para o grito

Ninguém para o meu pranto

Não tenho plateia...

... o que se passa com o mundo?

Ninguém para o canto

Ninguém para as minhas chagas

Ninguém para o meu sim

Ninguém, ninguém

Nem réu

Nem juiz

Nem faca

Nem forca

Ninguém para a minha dor

Ninguém para o meu lamento

Ninguém para a minha angústia

Ninguém para a minha sede

Nem nome

Nem morada

Nem terra

Nem povo

Ninguém para a minha volta

Ninguém para a minha revolta

Ninguém para a fome

Ninguém para minha escrita

Nem escriba

Nem fariseu

Nem faraó

Nem Moisés

Ninguém para o meu desterro

Ninguém para o meu luto

Ninguém para o meu desterro

Desterro

Desterro

Desterro

Nem tu

Nem ele

Nem nós

Nem aqueles

Ninguém para lembrar de mim

Esquecido no desterro da estirpe

Ninguém para velar por mim dormindo na sarjeta

Ninguém para me repudiar drogando no escuro

Ninguém para me acompanhar nesta marcha heróica

Ninguém para hastear comigo esta bandeira

Ninguém para gritar comigo a fome do ventre infecundo

Ninguém para amem da minha missa

Nem tu dormes nos arquipélagos

Nem ele que ceia nas brumas do prazer

Nem nós que jazemos na pedra fria do tempo

Nem aquele que viajam nos sexos das virgens

Ninguém para recitar comigo minhas heresias

Ninguém para amar comigo o amor

Ninguém para sentir comigo o sentir

Ninguém para ver comigo a morte de perto

Ninguém para escrever comigo este poema-canto

Ninguém para ouvir comigo choro triste do pássaro viúvo

Ninguém

Ninguém

Ninguém...

O que se passa com mundo?

Ninguém para tecer comigo estes fardos

Ninguém para pintar comigo estes sonhos

Ninguém para sentar comigo no esperma da vida

Ninguém para as minhas orgias solitárias

Ninguém para minha celebração austera

Ninguém para eucaristia do verbo presente

Ninguém

Nem homens

Nem mulheres

Nem mesmo tu! ó ser certeza...

Ninguém para caminhar comigo entre os milheirais

Ninguém para se embebedar comigo nestas tabernas

Ninguém para morrer a morte comigo

Ninguém para matar

Ninguém para julgar

Ninguém para morrer

Nem testemunhas

Nem advogados

Nem audiências

Nem sonhos

Ninguém para ver comigo esta criação perdida

Ninguém para ver comigo a morte do Cristo imortal

Ninguém para o apedrejamento da verdade

Ninguém para se prostituir

Nem para prostituir

Ninguém para roubar

Ninguém para ser roubado

Ninguém para minha plateia

Nem piões

Nem vips

Nem luz

Nem black out

Ninguém para esta azáfama

Ninguém para apalpar o medo da morte

Ninguém para linchar comigo o vizinho da esquina

Ninguém para tirar esta pedra do caminho

Ninguém para fazer esta procissão comigo

Ninguém para ascender comigo nesta loucura

Ninguém para vencer comigo o sal oceânico

Ninguém para trocar comigo as cores da distância

Ninguém para trocar comigo a deixa desta cena

Ninguém

Ninguém

Nem eu

Nem eu

Ninguém para esta vida miserável

Ninguém para este tédio feito vida

Ninguém para este julgamento

Ninguém é juiz capaz para esta sentença

Ninguém...

Ninguém para soltar Barrabás

Ninguém para receber cinco dinheiros

Ninguém para ser mulher

Ninguém para sofrer

Ninguém para ser caridoso

Nem faca

Nem forca

Nem arena

Nem gladiador

Nem Hércules

Nem Atenas

Ninguém para ser linda

Nem Cleópatra

Ninguém para amar

Ninguém para imperar

Ninguém para esperar o calípico

Ninguém para se descobridor

Ninguém para nada

Ninguém para tudo

Ninguém para esta revolta íntima

Nem eu mesmo....