AUTO RETRATO
Quem é essa feição, sem os feitos da compostura e sem a glória da formosura?
Quem é esse vulto, desenho tosco do imaginário, tido por nada lírico e em tudo bruto?
Quem é essa voz inaudível, melodia dos surdos, tom desprezível que ninguém atura?
Quem é essa sombra, que o sol divorciou, cujo largo sonho de ser feliz se fez curto?
Quem é o olhar perdido em meio à multidão que não olha tal olhar?
Quem é o julgado coração, bastardo fruto do desengano com a desilusão?
Quem é esse esboço mal escrito de um texto rejeitado pelas linhas do amar?
Quem é esse Ícaro cujo vôo persistente nunca passa de seu chão?
Quem é o ninguém que povoa o mundo habitado pelas tantas ausências?
Quem é esse que governa o reino esquecido num status de plebeu?
Quem é esse poeta a quem negaste o amor que nem tens em aparências?
Quem é esse que me apresento e me fujo e que me digo ser-me eu?