Cansada

Me despedi

Não dele, nem de você, mas do mundo

Porque era do mundo que estava cansada

Me despedi assim, sem mais nem menos

Mesmo sabendo que não tinha lugar pra ir

Ou pra voltar...

Me despedi, e não foi por coragem

Foi só para atender essa inadiável vontade

De me anestesiar dessa doença chamada humanidade

Me despedi, sem arrependimentos

Sem nem mesmo a dramaticidade de dizer que deixo promessas quebradas

Se há muito tempo no outro elo já andavam despedaçadas

Os sentimentos que eu tinha eram demais

Os sentimentos que eu tinha não eram suficientes

Agora, fico aqui falando de mim no passado

Como se já tivesse ido

O que deve estar perigosamente perto da verdade

Se eu for de verdade

Quanto tempo levarão para falar de mim no passado?

Se eu for de verdade

Alguém lembrará dos momentos que passou comigo como algo aconchegante?

Talvez eu hesite

Se pensar no último abraço, no último beijo que gostaria de dar

Mas parece que a letargia é o ponto de equilíbrio entre a raiva e o idealismo

E a letargia tem essa mania de achar que não vale a pena insistir

Que não vale a pena nem mesmo ganhar

O que eu amei nesta terra era efêmero

O que eu almejei nesta terra era impossível

Entre bailes de flores embalados pela melodia do vento

Fui capaz de lembrar apenas das tempestades de areia

Eu não fui tudo que podia ser

Nunca descobri tudo que queria ser

Andei pela vida feito pistoleiro cego

Atirando para todos os lados

Eventualmente aplaudido por tiros certeiros sem querer acertados

Andei pela vida sem confiar e sem esperar

Andei pela vida sem correr atrás de nada nem parar para contemplar

Andei pela vida em linha reta e então chegou o final

Nunca virei uma curva sequer

Incapaz que era de entre esquerda e direita escolher

Quis um pouco de tudo e nunca me decidi por nada

Agora, me despeço do mundo

Assim, sem complicações

Porque dos becos sem saída e das promessas quebradas

Fiquei cansada!