Facas na Gaveta

Olho com desejo angustiado para a gaveta da cozinha

E lembro-me de que elas ainda estão lá

Reluzentes em prata, cortantes, pontudas

Tão fácil simplesmente pegá-las

E deixar que tracem um fio rio vermelho sobre meus pulsos pálidos e magrelos

Se tenho medo?

Não, há muito foi subjugado pela letargia

Ando pelos corredores escuros com a cabeça anuviada

Insensível, pois não teria escolhido esse caminho

Se já não andasse a tempo como uma carcaça sem vida

Se meus motivos são justos?

Tanto faz! Talvez sejam fúteis e covardes

Mas ainda são meus

Nunca escolhi nada em vida

Deixa-me uma vez provar do livre arbítrio

Se sou eu quem carregará os motivos para o túmulo

Por que irias te importar?

Se tenho arrependimentos?

Oh, não, não poderia!

Se o que vivi foi tão intenso

E mais intenso ainda o que não pude viver

Vou-me de cabeça leve pra qualquer lugar

Pois se houvesse Céu não veria aqui tantas maravilhas

Se houvesse Inferno aqui não dormiria ao som de choro e ranger de dentes

Poderia acreditar que ninguém me sentirá a ausência

E partir...

Poderia acreditar que são vãos os motivos para minha existência

E partir...

Poderia ser brava e covarde, tudo ao mesmo tempo

E partir...

Mas sou jovem para morrer

E jovem até para o meu próprio sofrimento compreender

Afaste-se da cozinha

Parece que as facas permanecerão no lugar por um dia mais

Assim como eu...