REGISTRO DE UMA FUGA
Não poderia falar de Janice sem falar de suas pernas,
tão belas, as mais pernas pernas que já vi.
Sonhei com aqueles joelhos noites a fio,
quase que em um fetichismo abissal.
Sonhei, sim, e bêbado me levantei várias vezes
tentando descarregar tamanha carga de desejo.
Janice e suas pernas multicoloridas engoliam
o meu olhar de menino frágil e asmático.
Eu a perseguia escondido nas dobras da rua.
A paisagem me confundia e o meu corpo
parecia não sentir cansaço algum,
pois tudo em mim centrava os olhos
no corpo e nas pernas transcendentais de Janice.
Janice nem sabia de minha existência,
mas eu sabia o nome dela, e sabia
o que em seu quarto se escondia,
conhecia cada peça de roupa e a cor
das calcinhas que ela usava.
Sabia.
E a fotografava.
E suas fotos cobriam a parede de meu quarto
e eu viajava a uma outra dimensão.
E lá nos encontrávamos e ela se despia
e eu via as pernas totais, absolutas,
e via o que há acima de suas pernas,
logo abaixo do umbigo,
aqueles pêlos negros como a noite.
Eu via.
Um dia apareceu um tal de Gaspar.
A desgraça da vida se chamava Gaspar.
Aprendi a odiar ao conhecer Gaspar,
que nem sabia que eu existia.
Gaspar abraçou Janice.
Eu escondido vi Janice sorrir
ao sentir o afago das mãos daquele.
Meu amor por Janice se desvaneceu
e não pude mais conter o que, novo,
crescia em mim.
À noite nem pensava mais nas pernas,
no que há abaixo do umbigo,
no corpo de mel e poesia de Janice.
Só pensava que aquele templo todo jazia
maculado por impuras mãos gasparinas.
O ódio se instalou de vez: Gaspar e Janice.
Os dois aos beijos na praça,
na rua, de mãos dadas, rindo e rindo.
Ele a bolinava, eu via.
Na praça, na penumbra, ele metia
a mão entre as pernas de Janice
e ela gemia e eu via e sentia
as pernas chacoalharem de ódi-desejo.
Uma noite, na frente da casa dela, os dois,
do lado de dentro do muro, fizeram.
As costas de Janice no muro, ele entre as pernas,
a calça arriada, e ela gemendo, gemendo.
Ela já saía de saia e sem calcinha,
eu não sabia.
E ela ficou de costas pra ele
e ele veio por trás, animalesco.
A saia levantada, a bunda, a maravilha.
E eu, bambo de ódi-desejo.
Dois cachorros no cio, pareciam.
Gaspar terminou o serviço e a beijou.
Os dois ficaram agarrados e ela olhou
o relógio: era hora de entrar.
E Gaspar saiu, rindo e saltitante,
no rumo de sua casa.
Cheio de ódio, eu o segui.
Naquela noite, eu havia guardado
uma faca em meu bolso.
Segui-o.
Numa rua quase escura,
cortesia da Prefeitura,
ataquei o objeto de meu ódio.
Uma estocada certeira nas costas,
a queda, o grito.
Mais três golpes na barriga, o gemido,
o silêncio.
Eu, sujo de sangue, senti um alívio
como se tivesse gozado.
A lembrança das pernas de Janice,
do umbigo, da bunda, dos pêlos.
Fechei os olhos e senti a brisa da noite.
Janice, foi por ti! pensei.
No outro dia, eu a vi sofrida
caminhando pela avenida central
de nossa vila.
E ela nunca esteve mais linda.
Nunca mesmo.
Não poderia falar de Janice sem falar de suas pernas,
tão belas, as mais pernas pernas que já vi.
Sonhei com aqueles joelhos noites a fio,
quase que em um fetichismo abissal.
Sonhei, sim, e bêbado me levantei várias vezes
tentando descarregar tamanha carga de desejo.
Janice e suas pernas multicoloridas engoliam
o meu olhar de menino frágil e asmático.
Eu a perseguia escondido nas dobras da rua.
A paisagem me confundia e o meu corpo
parecia não sentir cansaço algum,
pois tudo em mim centrava os olhos
no corpo e nas pernas transcendentais de Janice.
Janice nem sabia de minha existência,
mas eu sabia o nome dela, e sabia
o que em seu quarto se escondia,
conhecia cada peça de roupa e a cor
das calcinhas que ela usava.
Sabia.
E a fotografava.
E suas fotos cobriam a parede de meu quarto
e eu viajava a uma outra dimensão.
E lá nos encontrávamos e ela se despia
e eu via as pernas totais, absolutas,
e via o que há acima de suas pernas,
logo abaixo do umbigo,
aqueles pêlos negros como a noite.
Eu via.
Um dia apareceu um tal de Gaspar.
A desgraça da vida se chamava Gaspar.
Aprendi a odiar ao conhecer Gaspar,
que nem sabia que eu existia.
Gaspar abraçou Janice.
Eu escondido vi Janice sorrir
ao sentir o afago das mãos daquele.
Meu amor por Janice se desvaneceu
e não pude mais conter o que, novo,
crescia em mim.
À noite nem pensava mais nas pernas,
no que há abaixo do umbigo,
no corpo de mel e poesia de Janice.
Só pensava que aquele templo todo jazia
maculado por impuras mãos gasparinas.
O ódio se instalou de vez: Gaspar e Janice.
Os dois aos beijos na praça,
na rua, de mãos dadas, rindo e rindo.
Ele a bolinava, eu via.
Na praça, na penumbra, ele metia
a mão entre as pernas de Janice
e ela gemia e eu via e sentia
as pernas chacoalharem de ódi-desejo.
Uma noite, na frente da casa dela, os dois,
do lado de dentro do muro, fizeram.
As costas de Janice no muro, ele entre as pernas,
a calça arriada, e ela gemendo, gemendo.
Ela já saía de saia e sem calcinha,
eu não sabia.
E ela ficou de costas pra ele
e ele veio por trás, animalesco.
A saia levantada, a bunda, a maravilha.
E eu, bambo de ódi-desejo.
Dois cachorros no cio, pareciam.
Gaspar terminou o serviço e a beijou.
Os dois ficaram agarrados e ela olhou
o relógio: era hora de entrar.
E Gaspar saiu, rindo e saltitante,
no rumo de sua casa.
Cheio de ódio, eu o segui.
Naquela noite, eu havia guardado
uma faca em meu bolso.
Segui-o.
Numa rua quase escura,
cortesia da Prefeitura,
ataquei o objeto de meu ódio.
Uma estocada certeira nas costas,
a queda, o grito.
Mais três golpes na barriga, o gemido,
o silêncio.
Eu, sujo de sangue, senti um alívio
como se tivesse gozado.
A lembrança das pernas de Janice,
do umbigo, da bunda, dos pêlos.
Fechei os olhos e senti a brisa da noite.
Janice, foi por ti! pensei.
No outro dia, eu a vi sofrida
caminhando pela avenida central
de nossa vila.
E ela nunca esteve mais linda.
Nunca mesmo.