Despiu-se
Despiu-se.
Tomou um gole de vinho
que desceu a garganta rasgando.
A bebida foi saída?
Pra tanta dor contida?
Não. Pouco também importava saber isso agora.
Queria despir-se de tudo, do mundo e das coisas lá fora.
Das coisas lá dentro também.
Das dores da alma, que, cansada, não mais pedia, mas implorava por calma.
Tomou coragem e disse pra si mesmo umas verdades,
pois viver enganando-se a si mesmo não dava mais.
Pra conviver com mentiras, bastasse as das pessoas à sua volta.
Ponderou-se, não tinha esse direito de julgar sentimentos alheios,
já que nem sabia sequer avaliar os seus próprios sentimentos.
Queria apenas se esvaziar, de uma vida mal vivida.
De sonhos frustrados, que se perderam pelo caminho
E que teriam de ser reconquistados...
Dos amores não resolvidos,
Da vida esquematicamente pensada, planejada,
Do viver cronometrado, mas que se tornou atrasado,
Pois os ponteiros do relógio pararam no tempo
E a vida foi cedendo espaço para os lamentos.
O vazio da vida não era da mesma forma que o vazio daquele copo,
que, se esvaziado, podia, em instantes, tornar-se a ser cheio.
A vida, não, meu caro.
Não pode ser preenchida com tal verossimilhança.
De copo em copo, ele se esvaziava.
Esvaziava a garrafa e, com ela, um pouco de si também.
Até que despiu a garrafa toda, que ficou completamente vazia.
E, despido, ele tornou-se completamente cheio.