A última a morrer

Vês os anos que se foram?

Os desejos que às decepções se embaraçaram.

Tudo nosso, amor. Tudo o que de legado deixamos.

Para os anos que ainda virão. Lembranças do que se foi.

E foram tantos, que já nem me lembro os nomes dos primeiros a irem.

Restaram deles lembranças quase vagas; de você o que há de restar?

O que de mim restará para ser lembrado? Nada, posso supor.

O esquecimento é o definhar das lembranças, sua eventual morte.

Descobri, nesta vida, que até as lembranças morrem.

Morrem de fome. Morrem de sede. Morrem sozinhas, porém, conosco.

Morrem aos poucos, aqui, ali e lá.

Há de ficar o sorriso porvindouro das boas novas que também virão!

E estes, sobrepõem-se às lágrimas e soluços de severa decepção.

Nenhuma má lembrança. Morre-se, neste instante, toda e qualquer vã esperança.

Ah, a esperança é a última a morrer, amor. Sepulta os demais sentimentos.

Primeiro o carinho, depois, o rancor, a saudade que permanece um longo tempo, por fim, sepulta a si mesma. Morre só! Com os olhos abertos.

Suspeito que a esperança, ao morrer, vês o amor pela última vez.

Agora podes ver o que perdemos, amor.

Os sonhos, os planos, os desejos, os beijos intermináveis, as aventuras...

A vida mostrou-se, para mim somente, uma desventura desleal.

Que como a esperança, vislumbrei, como última visão, um lampejo de amor irreal.