COMENTÁRIO DO POEMA SETE FACES
As sete faces correspondem a sete estrofes, como se fosse um retrato em sete partes. O número sete, em linguagem bíblica, pretende atingir a perfeição divina, a plenitude da vida. Seria um retrato do cotidiano que contemple a vida em sua plena capacidade de viver. Poema tipicamente modernista, de ruptura com as convenções. Descontínuo, inesperado, coloquial. Escritos com versos livres e com estrofes heterogêneas. Irônico, neste poema de descoberta do eu e do mundo, Drummond se coloca como gauche – termo francês que reitera a ideia de um desajeitado, livremente da oposição, que se posiciona na margem das coisas - mas cujo coração transborda, “mais vasto que o mundo”, com humor desencantado, sarcástico. Com uma secura que representa a emoção. No trecho “Meu Deus porque me abandonaste, se sabias que eu não era Deus, se sabias que eu era fraco”, se coloca no desencanto da modernidade como Cristo diante do não da humanidade e do rechaço por parte dos homens. Observa-se que o eu-lírico sente “ausência” de algo ou alguém. Ele está se sentindo sozinho.
No poema “Ausência”, Drummond procura demonstrar no trecho “ ausência é um estar em mim” que a ausência só existe para ele, ou seja, você pode estar se sentindo sozinho, sentindo falta de alguém, mas esse alguém pode não estar sentindo a mesma coisa por você. Assim, o poema é rico e possível de ser reinterpretado social e historicamente com a mediação da subjetividade para preencher a objetividade do mundo.
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Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade ANDRADE, C. D. Poesia até agora. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1948.