Ode aos sonhos que nunca se realizaram

Salve, ó tu, derrotado hoje como nunca

Glórias e honras infindáveis aos companheiros da desilusão

Que uma festa seja hoje celebrada

Que uma ceia seja hoje preparada

E que a comam todos os marginais do amor

E se empanturrem e vomitem e comam de novo!

Hoje uma estrela brilhará mais forte para ti

Para ti será toda essa algazarra!

Salve, futuro que não se realizou!

Salve, promessas que não foram cumpridas!

À nossa frente, se estendem estes sonhos esquecidos por uns, lembrados por quem insiste em se ferir ao lembrar

Vê ali, o que tua amada te disse entre carícias?

Lá está o teu casamento com teu ex-noivo!

E tu, tu vês o teu futuro brilhante? Sim, tu, velho caquético, lá está descendo pelo ralo!

Nunca parou de descer... e tu sempre o viu descer... e só o que fez foi lamentar

Salve, "eu te amo" que acabou na segunda-feira

Salve, casal idoso de mãos dadas que nunca foi um casal de verdade

Sejam todos bem-vindos!

Até tu que se apaixonou pela senhora ruiva no ônibus e nunca mais a viu

E tu que se perdeu nas curvas de ébano do teu vizinho que se mudou

Venham, venham!

Não tenham vergonha, ora!

Aqui também estou eu

Organizei a festa, mas sou um de vós, o maior de vós, amigos e amigas!

Consolemo-nos, abracemo-nos e também zombemos um do outro, por que não?

Ora, não admite o teu estado de derrota?

Pois saiba que a arte não é senão para os párias da vida, do amor, da saudade!

Até os que a fazem bela, a fazem de tal modo para externar a ternura de sua sensibilidade (mas a sensibilidade, ela mesma, os torna alvos fáceis da desilusão)

São, pois, nossos convidados!

E pra que serve tudo isso?

Para que sirvo eu e a arte e este show de horrores?

Para que externar que somos assim?

Para que a desilusão inventou de ser o mecanismo de desvendar a ilusão? Nós não adoramos a ilusão por acaso?

Salve, bêbados que não o queriam ser

Prostitutas dos deuses do ego

Nerds virgens e seus amores idealizados e nunca concebidos

Religiosos e seus temores de pecar e culpas por sempre pecarem

Ateus e suas certezas angustiantes

Feios e suas dores inúteis que nem deveriam ser suas

Salve, eu e tu que não sabemos o que somos

Que achávamos saber amar e nos perdemos em palavras e abstrações e deixamos o amor passar ao largo

Que enchemos nossa vaidade de versos e escondemos nossa mediocridade em doses homeopáticas nos frascos de nossas misérias

Que sabemos que somos humanos e por isso mesmo humanos

Que juramos que não sabemos quem somos

Que inflamos os egos um do outro como forma de preencher a vaidade do ser e não ser quando sopram palavras em nós

Salve, salve, salve!

Tu que não sou eu e sou eu também

Porque somos o que somos e não somos o que somos

Fingimos e acreditamos

E sonhamos

E nossos sonhos são feitos de neblina clara, fugaz

E escapam de nós

E se nos apresentam em lápides agora e epitáfios sarcásticos

Não se entristeça, não somos piores que ninguém

Nem melhores (mas ora pensamos um ora outro)

Porém olhamos o que não estava explícito e sentimos a dor que não deveria ser nossa

Não se entristeça e exista! Exista ao menos enquanto a festa dura!

Salve!

De todo meu coração amargo e sem amor e sem ódio, salve!

Quando o banquete terminar, outros sonhos surgirão

Por isso já os enumero aqui (aqui em mim, não neste poema)

E sinto muito por todos

E espero que também o sintas

Glórias e honras sem fim ao filme que tu irias assistir no cinema com teu amante e deu que nunca mais nem se viram

Palmas a todos os que foram deixados esperando nas estações da vida

E a todas as festas de aniversários sem presentes e que ninguém apareceu

Salve!

Salve!

Salve o meu coração que deve ser o sonho não realizado de alguém

Mas por isso eu não sinto nada

Áquila Teófilo
Enviado por Áquila Teófilo em 08/12/2014
Reeditado em 08/12/2014
Código do texto: T5062261
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