PRECE DO BORRACHO
Valei-me, o bom Santo Onofre
nesta prece de borracho
bem crente e mãos postas me acho
em um bolicho entre o véu
da neblina do infinito.
Sou outro borracho sem sorte,
que não tem sul nem norte
e vive vagando ao léu.
Me perdoe, Virgem Maria,
o bom São Pedro, me escuta,
és patrão velho e batuta
aí na Querência Divina.
Eu bem sei que minha prece
não merece fé, tenência,
é porque trás na sua essência
líquido de uma cantina...
Perdão por não me ajoelhar
se me ajoelho sei que caio,
caído sei que desmaio
e assim não posso falar,
o que sinto no meu peito
o Senhor vai ter que ouvir,
já estou sem me sentir
preciso desabafar. . .
Na canha mui poderosa
ainda crerei eternamente,
naquele sabor tão quente
criador de toda alegria.
E crerei na aguardente
sua única e sábia filha,
da qual eu seguirei a trilha
enfeitiçado em sua magia.
Aguardente, tu és sagrada
no alambique concebida,
tu és rude e xucra bebida
nascida da santa canha.
Sofreu injúria de juiz
na Lei Seca és difamada,
te falsificam por nada
só tens valor na campanha...
Ressurgistes das adegas
subistes nas prateleiras,
és chinoca das faceiras
colocada à mão direita
de todo o bom bolicheiro,
nos bolichos da campanha;
No meio de gente estranha
és adequada receita.
Sei que um dia tu hás de vir
alegrar ricos e pobres,
alegrar humildes, nobres,
os honestos, cretinos,
os gaudérios e araganos
vais alegrar no Rincão,
dono de estância e peão
nos pagos continentinos.
Eu creio na Madre Canha
creio em sua safra anual,
creio em sua cor de cristal
na ressurreição das pipas.
Das pipas já sem rebem.
Creio em bebedeira eterna,
pois neste meu peito inverna
saudades da canha, amém.