Doença

Eu não posso ser o outro

o outro não pode ser eu

nesse colóquio simples e paradoxal

Aqui não me serve a prescrição

não serve para colocar os problemas

sobre a fronte

Não serve para especular

conhecer a mim mesmo pelos meus

pensamentos

pelos meus fragmentos

e mais profundamento

pela dor

pela lancinaste mágoa

de ser o que não se escolheu

ser inexoravelmente

algo ditado

pela trama genética,

pelo drama

vivencial histórico

por reflexos condicionados por

hábitos, manias e alguma

educação.

Ser selvagem civilizadamente.

Ou ser civilizadamente selvagem.

Sei que há milhões de significados

nesse olhar,

nesses braços cruzados e reclusos

na negação de se entregar.

Mas não posso refutar o que sou

pela nossa ética angustiada

a existência é dor

a nossa essência é isso que lateja

que grita num silêncio majestoso

que gane sem nenhum retorno

a dor do mundo

a dor de existir

do que há,

do que não há.

Há mais na nossa essência

produzido por ausências

do que pelas presenças que tivemos.

Há mais vácuos enigmáticos

que a semântica cartesiana

das frases inteiras,

de parágrafos concatenados.

Livros inteiros.

Sem estória alguma.

Vivemos a inequação

inexata

instituída entre eu

e o outro.

Existir é uma doença

que finda com a morte.

E, o renascimento

traz de volta a tortura

de pensar, pensar e pensar

e nada concluir.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 28/03/2014
Reeditado em 28/03/2014
Código do texto: T4747642
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