Doença
Eu não posso ser o outro
o outro não pode ser eu
nesse colóquio simples e paradoxal
Aqui não me serve a prescrição
não serve para colocar os problemas
sobre a fronte
Não serve para especular
conhecer a mim mesmo pelos meus
pensamentos
pelos meus fragmentos
e mais profundamento
pela dor
pela lancinaste mágoa
de ser o que não se escolheu
ser inexoravelmente
algo ditado
pela trama genética,
pelo drama
vivencial histórico
por reflexos condicionados por
hábitos, manias e alguma
educação.
Ser selvagem civilizadamente.
Ou ser civilizadamente selvagem.
Sei que há milhões de significados
nesse olhar,
nesses braços cruzados e reclusos
na negação de se entregar.
Mas não posso refutar o que sou
pela nossa ética angustiada
a existência é dor
a nossa essência é isso que lateja
que grita num silêncio majestoso
que gane sem nenhum retorno
a dor do mundo
a dor de existir
do que há,
do que não há.
Há mais na nossa essência
produzido por ausências
do que pelas presenças que tivemos.
Há mais vácuos enigmáticos
que a semântica cartesiana
das frases inteiras,
de parágrafos concatenados.
Livros inteiros.
Sem estória alguma.
Vivemos a inequação
inexata
instituída entre eu
e o outro.
Existir é uma doença
que finda com a morte.
E, o renascimento
traz de volta a tortura
de pensar, pensar e pensar
e nada concluir.