Norte

I

Escuro final e definitivo

escorre, numa liquidez celeste

e cobrimo-nos, nus, com a mortalha

ofertada a nós por todo o divino.

Manchamo-nos com o ferro, com fogo,

com o suor e o som e o sol e as faíscas

do infindável fulgor dessa alta voz

ofertada a nós por todo o divino.

e o parto de si, renascer em si

necessita dor, uma excruciante

amiga de tudo, sem distinção.

II

Ai, vai embora,

és o galho que me arranha

a noite toda, vai embora;

reduziste-me a pó,

quem sou eu agora?

Riscaste-me o corpo todo

e, tolo, guardo-te em mim;

guardo-te para mim, vai embora,

o eu hoje apenas chora

e consome-se, por ora,

enquanto hoje resta o

resto de mim.

E essas árvores de álcool

que só observam

mas não findam

essa dor que se eleva, eterna,

que circula e se espalha, líquida,

que molha e se impregna

em cada canto e em cada canto

que ouço e em cada canto

secreto de mim.