A covarde arte poética

sim, eu sei...

é covardia ter poesia

na alma

ter a calma verbal na dor

do viver

e vez por outra enlouquecer

calado

tornar alado o encanto

desgastado

fazer de conta a verdade

em conta-gotas

a afronta em cristais

de açúcar

desmaiar na lucidez gramatical

na métrica

febricitar em devaneios áureos

de estética

frenética e ardente a palavra

corre

decorre da vida em dois

mundos,

desbota, capota, mas...

sobrevive

sim, eu sei...

é covardia ter poesia

na alma

ter a palma da mão estendida

ao verso

e vez por outra em tom perverso

declamar

volitar sobre o absurdo

blasfemar

santificando as maldições

maldizeres

ateando fogo aos alqueires

ortográficos

levitar ao insulto

das tramas

conceder indulto ao furor

das chamas

ácida e cáustica a palavra

efervesce

desce aos infernos

do imaginário

entristece, convalesce, mas...

purifica

sim, eu sei...

é covardia ter poesia

na alma

ter o carma da escrita

em punho

e o testemunho das noites

em claro

tão quão raro faz-se o

descanso

passa a correnteza morna

do pranto

estendendo seu manto

salobro

pelas várzeas do peito

alagadiço

rumo ao despedaçado maciço

carmim

sufocada e leda a palavra

vaga

trilha a estrada

dos retirantes

peregrina, alucina, mas...

prossegue

sim, eu sei...

é covardia ter poesia

na alma

ter a galhardia como arma

de arrimo

e a primazia do entalhe

artesanal

contra o mal que se aproxime

o sorriso

fingindo o medo de amar

teorizo

que dores não são amores

delírios

que Dolores não são Alaores

Onírios

estranho ofício o de mártir

carregamos

acuada e presa a palavra

estanca

manca no cárcere dos próprios

lamentos

renuncia, silencia, mas...

fenece

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 14/11/2013
Reeditado em 12/10/2024
Código do texto: T4570662
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