EPÍLOGO DE MIM

...e as palavras se dissipam

ao mesmo tempo em que se repetem os sentimentos

Sem conseguir-me mais desafogar.

E sentir-me fungos no esgoto

E ver-me como um parasita

Que sente a dor das rugas que aparecem,

Que sente o odor dos anos, me fazendo enjoar,

E me acomodo sugando esse mal cheiro,

E me incomodo se sonhar.

Mas, sonho e insisto, podre,

Morto em mim mesmo

Sorrindo no asfalto, na beira do mar,

Na cama mal cheirosa,

Na solidão pegajosa que já é normal.

E as palavras surgem do fedor da mente,

Expiradas do resto de mim, analfabeto,

Das sobras em frente

E mesmo assim, olhando atrás.

Sendo o que sou agora, no esmo:

Um retrógrado epílogo de mim.

Só, como sempre fui.

Nó, na garganta seca.

Sentindo-me murchar na merda.

Desperdícios de tanto tentar.

Eis as palavras fecais,

Eis o que resta de mim

Após vidas banais.

E as palavras ressurgem do nada

(depois, é claro, da embriaguez),

Após a insensatez

De ver-me afundando no lodo, todo...

Engodo da invalidez.

Toma-lhe o que resta de mim!

Cobra-me toda a razão!

Abdico às palavras com sentido!

Peço-as, então

Como um pão, pede um mendigo

Sedento de vida, avarento de amor!

Surjas como um anjo agora,

arcanjo ou querubim,

como a poesia que me aflora,

me deflora,

como o dom que tenho ainda...

e a palavra me devora,

se degusta em si,

não me alivia mais, me desnorteia.

E essa procura que não cessa,

E rostos e corpos que passam por mim,

Mas, não me veem e nem me tocam.

Deixa-me onde estou agora.

Deixa-me, assim, enlouquecido...

Poupa-me,

Larga-me em minha “Torre de Babel”,

Nessa Sodoma sem letras,

Na minha Gomorra de papel,

Sem as tetas,

Sem o céu

E as palavras dispersando-se no fel,

No mel que eu tento ser

E nas frases, as quais me exponho.

Júlio Amorim
Enviado por Júlio Amorim em 26/08/2013
Reeditado em 23/01/2015
Código do texto: T4453201
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