Habitam-me pássaros de luz sem luz
Habitam-me pássaros de luz sem luz
a tremular as madrugadas providas de vozearias infernais.
Aquelas em que sou a voz de muitos, tantos, tantos,
que me cantam ora em sinfonias celestiais
ora em gemidos, em vagidos dolorosos e tribais.
Pássaros assassinos dos minutos dobrados
nos joelhos das horas virgens, escorridas a preceito
em silêncios aprisionados p’las sombras
das alvoradas. Jogos em contraluz.
Habitam-me de igual modo o jovial e o serôdio,
o banal e o original. Habitam-me avós sem netos,
na ausência de afectos. Filhos sem pais, que os
perderam nos baixios, rios de mangais.
Lá onde a ofídia perigosa engoliu, folha a folha
a branda flor da rosa. Álacre e poderosa, canta-me
a brisa Lusa, aquela do vento, profusa, a deslizar
nas perras agulhas da encravada bússola.
No desnortear dos pontos cardeais. Cega, não
vislumbro entre tantos os sinais e guio-me insana
nos meros instintos animais. Dou voz à voz que
me canta, que me encanta, que me incendeia
a pele da alma, por dentro. Em noite de Lua cheia.
A voz cavada na goela do sentimento.
Hoje, magoada, solto de novo este grito:
Basta, não quero mais!