Moras num rio
Moras num rio emudecido que corre da foz à nascente.
Moras num rio furtivo a deslizar na garganta queimada
em novelos dobrados. Brados soltos, gemidos tantos...
Um rio que, contido, não ameniza a secura dos prados,
que não azula as margens, gretadas, afogueadas.
Moras num rio feito de obscuridades afuniladas
onde as lampreias se negam em desovar.
Preferem a corrente corredia do alto mar ...
Que as tuas águas são enxurradas d’espumas
nos olhos brancos das raivas
e na extemporaneidade das palavras.
Moras num rio de olhos sonolentos, desatentos,
enrolados nos sargaços meninos de sargaceiros
enfadados.
Moras num rio que é noite, boqueirão imenso
onde apenas eu, apenas eu ... te aceno no brando e
vago gesto da cambraia do meu lenço...
Olha para mim! Olha-me bem de frente e vê,
que esta mão que te acena tem já as unhas violáceas,
que tenho igualmente a pele tisnada e a boca enregelada
de tantas vidas esperar por ti, nesta amurada...
(chegará primeiro que tu a morte a me buscar?)
Moras num rio com medo de ser mar!