O ALMIRANTE

O almirante, pisando terra firme, anuncia nova patente: proclamo a mim general, avante!

Seu discurso de adaga inflamada arrasta batalhões e põe em marcha os valentes dispostos ao corte raso e profundo das veredas abertas.

Na calmaria de entre os mortos, depois de cada batalha, beija as chagas dos soldados num alento paterno com alma banhada no sangue desconhecido.

Eis que depois de muitos reinos conquistados, torres erguidas e cartografia redesenhada esquecera o general dos soldados seus – no silêncio da hora perdida, nas sombras que antecedem o dia, compactua com o inimigo.

Das guerras de muitas batalhas fez memória e registro, de cada homem triste figura armada no fronte esquecido.

Da chama viva dos olhos de comando restara fria lâmina da traição tardia.

E do brado “avante!” restou apenas gemido em coro de parturientes abafado, agonia.

Esquecera, porém, de si ainda o almirante.

E, sentado á mesa de seus escarnecedores, comeu, bebeu o trago amargo e melancólico das vésperas no fim dos seus dias.

De resto perambulo eu por toda terra média sobre canastras emparelhadas serras, platôs e montes cobertos de agreste cerrado.

E quando quase sempre me vem o lampejo da derrota eminente ergo sobre os vales o fio da espada que guardei.

Nela o sol traz de muito longe a notícia de que um, fio de vida toca a alma do almirante desterrado que ainda grita:

_ se resta um soldado a batalha continua, que pela graça vem o novo na vida um dia.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 06/06/2013
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