Cansaço

Cansaço

Talvez, eu esteja cansado.

Cansado de dar a cara à tapa,

dar murro em ponta de faca.

Alguns dirão que sou covarde,

outros me chamarão de louco,

mas não quero mais!

Já conheci o mundo,

suas cores e suas dores.

Nada de novo.

Já andei, corri e parei.

Cansei!

Se eu quero a morte?

Eu a espero desde que nasci.

Se tenho medo?

Não, estou até ansioso!

Estou enjoado de mim,

farto da vida.

Quero pegar o trem e ir,

não importa o destino.

Quero apenas viajar.

Coragem não é ficar,

isso é acomodação.

Eu já comi feijão e arroz,

alimentei meu corpo.

Corpo sujo e imundo.

Fezes, fezes, fezes.

Estou deveras cansado!

Cansado de olhar a vida,

ver seu desdém e sua prisão.

Quero a liberdade!

As asas da liberdade.

Já vi o amor de perto,

senti sua força

E verguei muitas vezes.

Ele não me surpreende!

O humano não me surpreende!

Já li sobre as guerras e já vi guerras.

Homem e morte

e a vida assistindo ao fim.

Que vida, meu Deus!

Deus? Ele é...

a recompensa de quem tem fé.

Já li Don Quixote, lutei contra gigantes,

mas não venci como Davi.

Beijei lindas mulheres,

recebi também o beijo da traição.

Estou cansado de tudo!

Recitei Drumonnd,

ninguém ouviu.

Afaguei um bichano

e ele me mordeu.

Mas não endureci!

Docemente escrevi poemas,

alguns “tolos” gostam

“imbecis” aplaudem

e “sábios” desdenham.

Fiz sozinho meu carnaval.

Sou louco e daí?

Normalidade é doença.

Assisti sozinho ao Ben-Hur (longo filme)

e chorei vendo comédias.

Eu chorei e sorri quando quis.

Fiquei doente, mas não febril.

A paixão é que me deu febre.

Analgésicos foram as lágrimas.

Atirei pedras em vidraças,

apanhei de cinto,

vi Tereza pela fechadura nua,

comprei revista pornô,

colecionei discos,

roubei flores.

Roubei rosas para ofertar,

fui preso por dar a quem não merecia.

A prisão da desilusão é uma tortura!

Cansado, estou cansado!

Fiz amigos e perdi outros tantos.

Sou difícil de conviver!

Mas sempre fui honesto.

Honesto com meus princípios.

Já votei errado e contribui para o caos.

Acreditei em promessas

e quebrei algumas.

Menti para me poupar

e falei a verdade para consertar.

Estou pronto para viajar.

Não tenho muitos segredos,

sou avesso a mistérios.

Quis saber o Código oculto da natureza,

partirei sem saber,

assim como Kepler e tantos outros.

Entendi alguns adágios,

mas nunca os segui.

Só sigo o caminho que eu determino.

Sou egoísta e quem não é?

Não divido cafezinho e nem mulher.

Aprendi escrever uma palavra em japonês,

mas não me pergunte pra quê.

Briguei com peixe grande e comi piaba.

Falei putaria aos montes e fiz algumas.

Vão me condenar, puritanos?

Mandei o mundo tomar no c... e

também ouvi a vida me xingando.

Recebi dinheiro e gastei como devia

e também como não devia.

Já vomitei na rua, regurgitei minha alma.

Lavei as calçadas com minha desilusão.

Cuspi na cara de infames,

apedrejei igrejas,

e fugi de palhaços.

Sim, de palhaços!

Eu tinha medo daquela cara pintada.

Já fui super-heroi e bandido.

Salvei a mocinha e matei o galã.

Já dormi apaixonado e

acordei pedindo divórcio.

Tentei alguns negócios,

mas fali várias vezes.

Nunca fui bom em negócios!

Tirei algumas fotos 3x4,

que horrível eu ficava!

Estou cansado, cansado mesmo!

Cansado do meu rosto!

Sempre o mesmo rosto,

o mesmo olhar cínico,

a mesma prosa de poeta,

o mesmo sorriso irônico,

o mesmo gesto contido,

a mesma anáfora.

Cansado de ser, estar e permanecer.

Quero a liberdade louca,

a insanidade doida,

a partida breve.

Aos que ficarem, cuidado

e boa sorte.

Para mim ... ah, para mim!

Para mim apenas uma passagem de ida.

Mas não vou para longe,

estarei logo ali.

Ali, acolá, alhures.

Viajarei de segunda classe,

tenho poucos recursos.

Estou cansado, preciso de férias.

Férias da vida, de mim, de tudo.

Estou irritado, não consigo partir.

Pedirei carona e logo irei.

Mochila nas costas e estrada afora.

Adeus mundo, adeus tudo!

“Irei para de onde eu vim”.

Mário Paternostro