O canto do espanto
Eu, por não ver nada, muito ouço
E ouço maravilhosamente bem.
Há sempre um cochichar daqui,
Um sussurrar dali, sempre meio sonso,
Manhoso e manso.
Eles vêm de todos os becos, esquinas e cantos.
Têm a cor da crueldade e da mentira,
Como vêm de bocas brancas preconceituosas,
Aliás, até de bocas negras traiçoeiras;
Bocas.Trazem um hálito disfarçado
Com a droga da falsidade e provocam,
Enganosamente, um cheiro bom.
Mas é podre, podre até os confins da alma.
Faz escorrer um visco demoníaco, lodoso,
Visguento, asqueroso, nojento
De cada som emitido.
Em uma oficina imunda trabalham
Diuturnamente, produzindo palavras
Para a construção da miséria humana.
Em sua falsidade dizem:
“Batemos nos cachorros por amor a eles”.
Em nome da lei cega, faca amolada
Contra os simples e indefesos.
Malditos sejam os que cochicham pelos cantos,
Que lambam os escarros dos cães sarnentos.
Eu, da minha parte engulo o meu grito em protesto.
Vou abrir mais ainda os ouvidos
E vomitar de volta essas misérias
Com a rouquidão, com o cheiro
E com a cor do meu ensurdecedor silêncio.